O artigo reporta achados de um programa de pesquisa em andamento sobre as características do escravismo em Pernambuco, com ênfase no século XIX. A partir da evidência de que uma parcela significativa do estoque de escravos da província estava localizada, no período, fora de sua área açucareira - ou seja, no Agreste e no Sertão - investigam-se as características de tais escravos, a partir de dados de inventários post mortem. Verifica-se que os escravos no Agreste e Sertão (i) em geral pertenciam a pequenos plantéis; (ii) tinham o perfil demográfico esperado de cativos comprados para utilização produtiva; (iii) constituíam proporção preponderante dos ativos inventariados, em valor, mesmo depois do significativo aumento nos preços de escravos, na segunda metade do século. Esses achados contrariam a idéia, comumente expressa na literatura, de que algodão e gado, as atividades produtivas típicas do Agreste e Sertão, não pudessem ser explorados com uso de trabalho escravo, e reforçam evidências de outros autores sobre a importância da escravidão de pequenos plantéis, no Brasil.
The article is a progress report on an on-going research program on slavery in the Brazilian Northeast. The characteristics of slave labor outside the coastal sugar zone of Pernambuco province are investigated. It is found that there were significant slave holdings in the cattle-raising, cotton-growing regions of the province, in the backlands, contrary to a commonly-held belief that those activities were not suited to be performed by slave labor. Slave holdings were generally small; and the demographic profile of the slave population was that expected of a labor force productively used by profit-maximizing slave-owners. The proportion of the value of slave holdings in total assets is surprisingly high, and does not tend to decrease after the sharp increase in slave prices in the second half of the nineteenth century. Those findings add to the increasing evidence, in the literature, on the importance of small slave holdings in Brazil
IntroduçãoRelatos de viajantes que percorreram o Brasil, especialmente no sé-culo XIX, têm sido fontes amplamente utilizadas para o estudo da vida econômica e social do País naquele período. Os trabalhos clássicos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., por exemplo, valeram-se em larga medida dessas fontes. 2 Em particular, o estudo das características do escravismo brasileiro tem sido muito influenciado por tais relatos. A visão de uma escravidão relativamente benigna no Brasil -origem de tanta polêmica na literatura -foi com freqüência defendida com o apoio de citações extraídas da obra de observadores estrangeiros da época. Com efeito, nos livros de viajantes como Henry Koster, George Gardner, John Luccock, John Mawe, Johann Emanuel Pohl e Auguste de Saint-Hilaire, entre outros, não é raro encontrar menções a um tratamento aparentemente pouco rigoroso, ou mesmo benévolo, dispensado à mão-de-obra cativa no Brasil. Por outro lado, a fidedignidade desses testemunhos foi posta em dúvida por oponentes daquela visão, desde o século XIX. Não faltou quem considerasse os Viajantes "verdadeiros agentes do governo brasileiro", prestando-se a veicular uma tese que teria sua origem na propaganda antiabolicionista governamental, interessada em difundir um quadro róseo da situação dos escravos. A próxima seção expõe brevemente tópicos da análise econômica da escravidão relevantes para a discussão que se seguirá. Trata-se, depois, da postura de Saint-Hilaire diante da escravidão e de sua visão geral quanto às relações entre escravos e homens livres no Brasil. As seções subseqüentes examinam as observações do Viajante sobre o escravismo na mineração, na cultura da cana-de-açúcar e em outras lavouras, e na criação de gado. Em seguida discutem-se alguns aspectos específicos do seu testemunho sobre as relações escravistas no Brasil. Uma seção final reúne as conclusões do artigo. Mão-de-obra escrava: produtividade e formas de utilizaçãoCabe referir aqui duas proposições desenvolvidas na literatura sobre economia da escravidão nas últimas décadas, e que se mostram relevantes para o entendimento de questões relacionadas com o desenvolvimento da escravidão no Brasil. I Flávio Rabelo Versianidos dois tipos de mão-de-obra; segundo, a distinção entre atividades ou tarefas que exigem apenas força bruta, de um lado, e aquelas que requerem do trabalhador habilidade ou esmero, do outro. A proposição de que a mão-de-obra escrava é, dentro de certos limites e mantidos os demais fatores constantes, mais produtiva que a livre, aparece de diversas formas na moderna literatura sobre escravismo. A superioridade do trabalho escravo tem sido associada a causas variadas, desde economias de escala obtidas na organização do trabalho agrícola em equipes de escravos (Fogel & Engerman, 1974) à redução dos custos de transação derivados da rotatividade da mão-de-obra livre (Hanes, 1996). Um argumento que parece ter grande generalidade decorre da idéia de que o que distingue fundamentalmente o trabalho escravo do trabalho livre é...
"Soft" slavery in Brazil: was Gilberto Freyre right? This article examines the question of the supposedly benign character of Brazilian slavery in contrast with North America slavery. In economic analyses of slavery, coercion toward slaves is viewed as a means to achieve maximum output, especially in large-scale agriculture. In small slave holdings, however, coercion was generally inefficient for that purpose, and positive incentives tended to be preferred. It is argued that, as recent evidence on Brazil has shown that small slave holdings prevailed in various regions and periods, this may lend empirical support to the notion of a relatively benign slavery, using more incentives than coercion.Key-words: slave work; Brazil: slavery; Brazil: XIX century JEL Classification: N36 INTRODUÇÃO A idéia de que a escravidão no Brasil era em geral mais benigna do que em outras partes do Novo Mundo remonta pelo menos ao século XVIII, e tem despertado extensa controvérsia. As argumentações sobre o tema na literatura em geral têm pouca base empírica e costumam centrar-se no jogo de interesses que estaria associado à difusão daquela interpretação. Vários autores consideraram a tese da benignidade uma mera expressão da ideologia das camadas dominantes no século XIX; sua divulgação, especialmente no exterior, faria parte dos esfor-
RESUMO O artigo examina as condições de oferta de mão-de-obra para o setor industrial na cidade do Rio de Janeiro e no estado de São Paulo nas duas primeiras décadas deste século, período em que São Paulo superou o Rio como a principal área industrial do Brasil. Mostra-se que São Paulo teve uma vantagem comparativa sobre o Rio em custos de mão de obra; o diferencial de salário rural-urbano. Argumenta-se que essa vantagem pode estar relacionada à maior presença de trabalhadores imigrantes na indústria paulista; a ampla oferta de mão-de-obra imigrante é vista como uma das principais causas do crescimento relativo da produção industrial de São Paulo, no período.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.
hi@scite.ai
334 Leonard St
Brooklyn, NY 11211
Copyright © 2024 scite LLC. All rights reserved.
Made with 💙 for researchers
Part of the Research Solutions Family.