RESUMENAo longo de sua carreira acadêmica, Ciro Cardoso dedicou-se a diferentes áreas da pesquisa histórica, dos futuros da Ficção Científica ao passado remoto da Antiguidade, passando pela música, cinema e pela história da América entre outros assuntos. Nos últimos 25 anos de sua vida, todavia, dedicou-se majoritariamente à História Antiga e, mais especificamente, à Egiptologia. Independentemente do tradicionalismo deste campo, trataremos de demonstrar como Cardoso notabilizou-se pela coerência de sua perspectiva militantemente marxista e, consequentemente, manteve como eixo a negação perspectivas modernizantes nas estruturas sociais da Antiguidade, que acabam por naturalizar o capitalismo como uma essência humana.
As leituras tradicionais das relações entre egípcios e núbios durante o período do Reino Novo ressaltaram a superioridade das estruturas sociais egípcias e a imposição desta cultura sobre os povos núbios. Tais leituras incorporam uma perspectiva excessivamente herdeira do quadro mental do século XIX, que atribuía uma inferioridade cultural a sociedades da África Subsaariana. Uma análise mais detida do domínio imperial egípcio sobre a Núbia deve considerar, todavia, os conflitos internos inerentes a cada uma destas sociedades. Assim, o artigo busca demonstrar como o imperialismo faraônico tratou de estimular uma forte hierarquização social na Baixa Núbia para garantir a exploração de recursos e o fluxo de bens de prestígio necessários à manutenção do império. Este processo implicou a subsunção das formas produtivas locais aos padrões egípcios e à, consequente, expansão das relações sociais estatais características do Egito.
Até recentemente, a literatura especializada na Núbia do Reino Novo (1.550-1.070 a.C.) enfatizava a egipcianização das populações núbias, isto é, a adoção, quase que completa, de práticas culturais egípcias por tais populações. Nuanças desse tipo de abordagem incluíam identificar focos de resistência especialmente por parte dos chefes núbios, que escolheriam se egipcianizar como forma de obter, entre outras coisas, poder e prestígio. Hoje em dia, pelo contrário, novas pesquisas e escavações no Sudão, em sítios que datam do Reino Novo, estão revelando interações mais complexas entre as culturas egípcias e núbias no cotidiano dessas populações. Tais interações materializavam-se, entre outros tipos de objetos, em potes e pratos associados aos atos de armazenar, preparar e servir comida encontrados em sítios urbanos, sobretudo na Alta Núbia. Este artigo busca analisar as interações entre egípcios e núbios com base na coleção cerâmica produzida por escavações em diferentes sítios do Sudão e em dados bioarqueológicos relativos à dieta dessas populações à luz de uma teoria da consubstancialidade das relações de gênero, raça e classe. O objetivo é demonstrar como práticas culturais tão enraizadas como preparar, servir e consumir alimentos são difíceis de serem modificadas e guardam, portanto, um potencial de resistência cultural frente à imposição imperial de determinados costumes.
O artigo tem como objetivo principal demonstrar a lógica da exploração econômica na periferia levantina do império faraônico do Reino Novo. A literatura especializada questiona os interesses econômicos do imperialismo egípcio por meio de análises que pensam as vantagens materiais apenas pelo ponto de vista do fluxo maciço de matérias-primas em direção ao centro imperial. Buscaremos apontar, por outro lado, que os benefícios econômicos envolviam relações mais amplas, como o estabelecimento de uma estrutura de domínio e exploração com redes de relações entre as diferentes elites imperiais, que garantiam a manutenção do domínio faraônico na região do Levante. Isto pode ser comprovado através de três conjuntos de evidências: 1) a correspondência diplomática, tanto entre os reis de mesmo status, quanto naquela entre o faraó e os governantes vassalos; 2) pela análise do funcionalismo do aparelho estatal egípcio destinado à fiscalização e manutenção imperial; 3) pelo estudo da arquitetura egípcia na região da Síria-Palestina. Em síntese, os diferentes mecanismos de exploração econômica faraônica no Levante foram importantes não apenas para manter as elites do centro imperial, mas levaram a um aprofundamento da relação de classe no interior da periferia.
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