Resumo Este artigo busca investigar de que maneira escritores africanos da época das independências recorriam, em seus textos, a identidades sociais demarcadas em termos de nação, raça, etnia e classe, no esforço de definir, explicar e pautar a ação coletiva pelo quadro de projetos políticos nacionais específicos. Após revisar a possibilidade de se falar de uma “literatura africana das independências”, busca-se definir a conveniência de uma abordagem “de baixo para cima” das classificações sociais envolvidas, entendendo-as como pontos em uma escala de identidades, mais que como campos conceituais discretos, e enfatizando seu “uso prático” como um índice analítico privilegiado para o universo mais amplo do nacionalismo africano e suas disputas. Finalmente, apresenta-se um pequeno esboço comparativo das possibilidades de tratamento divergente da identidade em diferentes escalas a partir de um corpus ilustrativo de autores africanos.
O 4 de fevereiro é comemorado em Angola como o aniversário do início da longa luta de libertação nacional, que levaria à independência em 11 de novembro de 1975, mas não à paz. Até 2002, perduraria uma guerra de consequências devastadoras -ou uma sucessão intermitente de guerras -opondo os três principais movimentos nacionalistas que haviam participado militarmente da luta anticolonial. As razões da impossibilidade de conciliar esses movimentos rivais em uma única frente durante a luta armada contra a presença portuguesa têm sido fartamente discutidas pela historiografia, que aponta uma série de fatores internos e externos. Dentre estes últimos, a força prática da Guerra Fria na moldagem e na instrumentalização das oposições e clivagens locais merece uma atenção especial. De fato, tanto na época da luta de libertação quanto depois, houve um intenso fluxo de aportes financeiros, assistenciais, militares e diplomáticos por parte de Estados Unidos, União Soviética, China e seus respectivos aliados em direção aos movimentos angolanos rivais, que fixavam-nos em diferentes circuitos de interlocução internacional e impunham diferentes retóricas e objetivos programáticos, condicionando suas possibilidades e restringindo sua margem de manobra à medida que a abertura de determinadas portas significava o fechamento irrevogável de outras.Angola não é, entretanto, um caso único: seu desenvolvimento pode ser consistentemente inserido no conjunto mais vasto da África Austral, cujos processos de independência, incluindo-se nessa definição a derrubada de regimes de segregação racial, ocorreu num lapso de tempo mais recente e mais alargado , se comparado ao restante do continente (1952)(1953)(1954)(1955)(1956)(1957)(1958)(1959)(1960)(1961)(1962)(1963)(1964)(1965). Embora os arranjos políticos resultantes tenham variado no tempo e no espaço, em todos os países da região houve intensa disputa entre pelo menos 1 Artigo submetido à avaliação em fevereiro de 2015 e aprovado para publicação em junho de 2015. * Agradeço ao Programa A Cor da Bahia e à Fundação Clemente Mariani pelos apoios que tornaram possível a pesquisa documental.
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