Rayner (2002) resumiu a sensação de como era impossível tocar adiante as tarefas do cotidiano naquele dia. A data foi marcante, não por causa das mortes, ou dos prejuízos, mas por ter "nos aberto para um outro tempo: de conflito, transformação e decisão". O Onze de Setembro, prossegue, assim como todo evento histórico, não nos confrontou: "ele nos engoliu, nos incorporou a seu próprio processo de desenvolvimento e assim nos transformou". O mundo pode até continuar a ser materialmente o mesmo, mas "nossas trajetórias existenciais, nossos padrões de existir" foram mudados, afirma ele.Aos que foram capazes de reconhecer que "algo novo sob o sol" havia ocorrido (TALBOT; CHANDA, 2002, p. 10) Reconhecida a ruptura, era hora de tentar superar a crise e domesticar o evento, concedendo-lhe representação e significado, enquadrando-o em uma narrativa coerente de forma a restabelecer a ordem. Sur-
Erica Simone Almeida Resende
216CONTEXTO INTERNACIONAL -vol. 32, n o 1, janeiro/junho 2010 gia uma demanda coletiva para dar sentido ao Onze de Setembro. Fazia-se necessário significá-lo em alguma sequência ordenada de causa e efeito capaz de suturar a disjunção espaço-temporal-linguística provocada por aquele dia.Na absoluta incapacidade de gerar uma análise distanciada, as primeiras tentativas de significação recorreram a antigas estratégias de diferenciação e de equivalência com base em significados e representações já conhecidos. Nesse sentido, o uso de expedientes como metá-foras, analogias e metonímias tendeu a privilegiar a negação, a Histó-ria e os horrores não específicos. Expressões como "É coisa de filme!", "Parece Pearl Harbor" e "É o fim do mundo" exemplificam as primeiras tentativas de significar os eventos.Logo nos primeiros dias, parecia claro que qualquer narrativa capaz de dar sentido ao Onze de Setembro deveria, em maior ou menor grau, reconhecer-lhe um caráter de data histórica, de evento único e singular. Surgiu de imediato um "antes" e um "depois" de 11 de setembro, assim como o "antes" e o "depois" da destruição da Bastilha, em 14 de julho de 1789; o "antes" e o "depois" do assassinato Sobre essa narrativa de data-marco e sobre suas implicações para a produção de conhecimento, Der Derian (2002c, p. 177) observa o seguinte:Antes de 11/9 e depois de 11/9: todos os cientistas sociais devem agora analisar a política internacional e a política doméstica com base nesse marco temporal. No entanto, por diversas razões, muitos parecem presos a um ínterim prolongado que impede a investigação acadê-mica. Obviamente, por seu mero alcance, dimensão e choque, o próprio evento é parcialmente culpado por isso. Talvez seja bom repetir o que era ouvido nas conferências acadêmicas depois da queda do muro de Berlim: os cientistas sociais não deveriam posicionar causa e efeito com base em um único ponto de informação.Der Derian (2002b) alerta-nos para caracterizações imediatas e simplistas, especialmente narrativas de uma data excepcional para a qual nenhuma teoria se prestaria mais. Seu objetivo em relembrar os relatos do pri...