Um "certo oriente"Ao longo da leitura do romance de estréia de Milton Hatoum, deparamo-nos com numerosas referências ao nosso imaginário sobre o Oriente, como suas iguarias típicas, a reza voltada para Meca, o aprendizado do árabe, a citação das Mil e uma noites, referên-cias que serão mescladas à descrição e à narrativa sobre o povo, os costumes e a fauna do Amazonas. As culturas presentes em Relato de um certo Oriente 1* são, portanto, de grande contraste, fáceis de atrair e de serem lidas ou transformadas em objetos exóticos -tanto na sua dimensão amazônica quanto na oriental.Contudo, de modo geral, o escritor não explora a categoria do exótico, entendida aqui como uma espécie de barreira à experiência de encontro ou de conhecimento daquele que difere de nós; uma forma de ver o Outro que o cristaliza, enquadrando-o numa diferença inalcançável. Nesse contexto, se o exótico implica reconhecimento da diferença, ele prioriza a irredutibilidade desta no lugar da potencialidade do encontro; isso mesmo quando o indivíduo se deixa atravessar e perturbar pelo Outro. Como veremos, Hatoum não enfatiza esse olhar que congela e isola imagens do amazonense, do oriental ou do índio da região. Ele buscará antes explorar temas como o trânsito entre territórios, culturas, e criará personagens marcados por diferentes costumes.Já o título do romance nos indica que não se trata de uma narrativa sobre "o" Oriente, mas que ela se origina de um "certo oriente". A escolha soa natural, afinal, a trama se passa em grande parte em Manaus, e não em terras orientais. O autor, entretanto, poderia ter optado por afirmar a existência de um "pedaço do Oriente", "puro", no território brasileiro, ao invés de apontar para seu caráter singular e permitir a interpretação -para quem sa--para quem sapara quem sabe ou descobre que o romance narra a história de uma família li-1 A partir de então o romance poderá ser chamado apenas de Relato.