2 Tycho Brahe foi o melhor astrônomo observacional antes do surgimento do telescópio. Filho de famílias nobres, Brahe nasceu em Knutstorp, atualmente região da Suécia; aos dezesseis anos de idade o seu interesse pelos estudos astronômicos é despertado pela observação de um eclipse total do Sol, dedicando-se, a partir de então, contra a vontade da família, que não via a astronomia como uma profissão digna de um nobre, inteiramente ao estudo do mundo celeste. Decepcionado com a imprecisão dos dados astronômicos da época, que chegavam a erros grotescos, Brahe dedicou-se plenamente à melhoria das observações astronômicas. Após a observação e estudos da nova de 1572, que o fez duvidar do mundo heterogêneo aristotélico, torna-se um astrônomo famoso, sendo-lhe angariado em 1576 pelo rei Frederico ii da Dinamarca, a pedido do Landgrave Guilherme iv de Cassel, a ilha de Hven, ao norte de Copenhague, para a construção de um observatório. Nasce, assim, Uraniburgo, o mais importante observatório astronômico a olho nu. Em Hven, Brahe faz inúmeras observações e constrói instrumentos de observação que o levaram a uma precisão da ordem de 1,5' de arco, a melhor até então. Déspota, Brahe trata os camponeses de Hven como um verdadeiro tirano e, também, negligencia a realização das funções que Frederico ii lhe incumbiu, entre as quais a manutenção do farol em Hven, que Brahe freqüentemente descuidava. Após a morte de Frederico ii, em 1588, Cristiano iv torna-se rei da Dinamarca, e a situação de Brahe começa a mudar para pior; em 1597, Brahe deixa Hven, levando todos os seus instrumentos, os seus dados de observação e a sua tipografia (levando, também, sua mulher, treze filhos, vários assistentes e muitos funcionários). Em 1599, o Imperador Rudolfo ii convida Brahe para ocupar o cargo de matemático imperial em Praga, função essa que Brahe ocupará até o final de sua vida, fornecendolhe o castelo de Benatek, muito inferior às acomodações e estrutura para observações de Uraniburgo. Brahe era um homem irascível, beberrão e glutão, gostando muito de arrumar polêmicas. O leitor que venha a querer mais dados sobre a vida e o trabalho de Brahe poderá consultar, entre outros, Dreyer (1963), Donahue, (1975, Thoren (1979), North (2001, p. 229-43) e Ferguson (2002. Em língua portuguesa, tem-se Koestler (1959, p. 194-205), Mourão (1995, p. 855-7; 2003, p. 72-103) e Chatel (1990). Este último é uma espécie de "romance", que pouco se atém aos aspectos da obra astronômica brahiana mas, em compensação, descreve algumas das principais etapas da vida de Brahe. 539Discussão cosmológica e renovação metodológica... scientiae zudia, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 2004 foi o autor das hipóteses centrais do modelo híbrido de universo, alternativo aos modelos ptolomaicos geocêntricos e ao sistema 3 copernicano heliocêntrico. Aristóteles, fixava a Terra em repouso no centro. Ursus era de uma família humilde. Trabalhou muito tempo como guardador de porcos, subindo gradualmente na vida; na sua juventude, escreveu uma gramática latina; dedicou-se por algum tem...
Nos últimos dias de 1604, Kepler escreve para seu mestre Mästlin uma carta na qual solicita seu parecer sobre a correta forma orbital do planeta Marte, trabalho que vinha desenvolvendo desde 1601, alguns meses após a morte de Tycho Brahe e a admissão de Kepler como matemático imperial da corte de Rodolfo II em Praga, cargo que pertencera anteriormente a Brahe. Essa carta pode ser inicialmente entendida como apenas uma espécie de "cobrança" por parte do discípulo com o objetivo de romper com o comportamento reticente do mestre. Afinal, Mästlin manteve-se calado sobre as investigações físicas propostas por seu antigo aluno por um período considerável de tempo. Com efeito, Mästlin não respondia a Kepler desde 1599, só voltando a escrever-lhe em 28 de janeiro de 1605, após mais de cinco anos sem mandar qualquer resposta às insistentes cartas enviadas por Kepler.Além desse aspecto pessoal, a carta de Kepler traz, para o leitor interessado no desenvolvimento de seu pensamento e no processo de formação da astronomia moderna, uma primeira formulação interessante de um dos estágios do processo de obtenção daquela que se passou a chamar "a primeira lei dos movimentos planetários". Como se sabe, essa lei afirma que os planetas movem-se em órbitas elípticas em torno do Sol, que ocupa um dos dois focos da elipse orbital. Esse estágio encontra-se no segundo parágrafo da carta, no qual Kepler relata alguns dos resultados que tinha obtido até esse momento, bem como as dificuldades de adequar os movimentos planetários representados com o expediente do epiciclo 1 a suas exigências físicas, pois isso contrariava os dados observacionais de Tycho Brahe. A importância da carta está, como veremos abaixo, em apontar para a primeira etapa da obtenção da forma elíptica, isto é, 1 O leitor encontrará depois das notas à tradução da carta um pequeno glossário sobre os termos técnicos envolvidos na discussão.
Este artigo pretende mostrar que o termo "incomensurabilidade" utilizado por Kuhn fornece, juntamente com o conceito de "comparabilidade", as condições para uma escolha objetiva entre teorias. Procura-se defender que a filosofia de Kuhn não é uma filosofia relativista. Discutem-se as noções de incomensurabilidade em sentido amplo e de incomensurabilidade local. Apresenta-se um evento da história da astronomia ligado ao copernicanismo para ilustrar que a adequação empírica permite a comparação entre teorias localmente incomensuráveis.
The article aims to show that the term, "incommensurability", used by Kuhn provides, together with the concept of "comparability", conditions for an objective choice between theories. It defends that Kuhn's philosophy is not a relativist. I discuss the notions of incommensurability in the broad sense and of local incommensurability. I make use of an event in the history of astronomy connected with Copernicanism to illustrate that the empirical adequacy allows comparison between locally incommensurable theories
A função do olho humano na óptica do final do século xvi Claudemir Roque Tossato resumo Neste artigo, trato em linhas gerais do papel do olho humano no desenvolvimento das teorias ópticas no período que vai da Grécia antiga até o final do século xvi. São destacados dois grandes momentos da história da óptica: a antiguidade e o século xiii. Procuro levantar alguns dos principais pontos relativos à importância do olho humano no ato da visão, relacionando esses pontos a três tradições de pesquisa que serviram como base para a elaboração de teorias ópticas, a primeira filosófica, a segunda anatômica e a terceira matemática. A intenção é mapear a situação da óptica no que concerne à função do olho humano antes dos trabalhos revolucionários de Kepler nessa área no início do século xvii.Palavras-chave • Óptica. Visão. Câmara escura. Anatomia. Perspectiva. Euclides. Alhazen. Kepler. IntroduçãoO objetivo central deste texto é apresentar os principais aspectos do papel do olho humano, seu funcionamento e sua importância, para a ciência da óptica no final do século xvi e início do século xvii.1 A apresentação se restringe ao modo pelo qual se entendia scientiae zudia, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 415-41, 2005 1 A história da óptica dos gregos antigos até o início do século xvii é muito complexa. Não iremos reproduzi-la, por exceder em muito os objetivos deste artigo. Salientamos apenas os aspectos centrais, sem detalhar os argumentos, acerca do problema de como se produz a visão e a relação entre anatomia, filosofia e matemática. Para o leitor interessado na história da óptica até o início do século xvii, sugerimos em especial três autores, Crombie, Lindberg e Ronchi. Lindberg (1976) é uma história da óptica desse período com boa apresentação e com um enfoque interpretativo das três tradições de pesquisa, filosófica, médica e matemática, surgidas na Grécia antiga; em Lindberg (1971), há uma apresentação de Al-Kind; em Lindberg (1967), é analisada a recepção e a importância de Alhazen para o ocidente. Crombie (1967, 1990 e 1991)
Este artigo trata dos procedimentos metodológicos empregados por Johannes Kepler, particularmente aqueles utilizados no processo de elaboração das duas primeiras leis dos movimentos planetários. É nossa intenção mostrar que a prática astronômica de Kepler liga-se à proposta de hipóteses (físicas e matemáticas) e à valorização da precisão nos dados observacionais com vistas a obter, por meio de procedimentos rigorosos, as regularidades (matematicamente expressáveis) dos movimentos planetários. É só depois que Kepler procura por uma explicação das regularidades descobertas (as leis), fazendo a hipótese da ação magnética exercida pelo Sol, colocado no centro físico do sistema. Na Astronomia nova, ele modifica o estatuto metodológico das hipóteses astronômicas do início do século xvii (Ptolomeu, Copérnico e Brahe), promovendo a passagem da astronomia matemática, descritiva, para a astronomia físico-matemática, explicativa. Palavras-chave • Kepler. Hipóteses astronômicas. Leis dos movimentos planetários. Observação astronômica. Método astronômico.
Este artigo visa analisar alguns aspectos da cosmologia cartesiana, tendo em vista a teoria dos vórtices elaborada por Descartes e sua relação com a sua teoria da matéria. Nesse contexto, pretendemos mostrar como a explicação cartesiana sobre os movimentos planetários procurou oferecer uma resposta aos problemas cosmológicos que se apresentaram entre o final do século XVI e a primeira metade do século XVII, os quais determinaram o abandono do modelo cosmológico aristotélicoptolomaico e, com isso, a necessidade de uma nova concepção sobre o mundo celeste.
Neste texto apresento os instrumentos de observação astronômica, criados ou aprimorados por Tycho Brahe, e como eles contribuíram para o processo de constituição do copernicanismo, Para tanto, discuto a importância que as observações mais precisas obtidas por Brahe, com o uso de seus instrumentos, teve para Kepler elaborar as suas duas primeiras leis dos movimentos dos planetas. Discuto, também, alguns aspectos sobre a distinção entre conhecimento científico e tecnológico.
EditorialO quarto número de Scientiae z z z z zudia deste ano contém um conjunto de artigos, documentos científicos e resenhas diretamente relacionado com a filosofia e a história da ciência. Os textos aqui publicados -com exceção da resenha que fecha o número e que trata da física quântica -dizem respeito a autores e temas do período antigo e moderno, tratando de aspectos da filosofia natural desenvolvida durante esse amplo período histórico. Do ponto de vista da cronologia histórica, o número contém, como documento científico, a primeira tradução para o português do tratado de óptica atribuído a Euclides de Alexandria (século iii a.C.) e a introdução que situa a questão da visão no meio clássico aristotélico; segue-se o artigo dedicado ao cânone musical de Ptolomeu (século ii d.C.) que se lança em busca dos instrumentos e das práticas musicais gregas nesse arco de cinco séculos de Antiguidade. O artigo sobre a noção de "horizonte" no período entre 1440 e 1624 faz uma discussão situada no limiar da revolução científica que dá passagem da Antiguidade/Idade Média ao período moderno, no qual se inscrevem as discussões sobre as dificuldades da concepção mecanicista cartesiana quando aplicada ao magnetismo e da hipótese newtoniana da gravitação universal, bem como a apresentação da imbricação entre filosofia e medicina na obra de La Mettrie. O número se encerra com três resenhas que tratam sucessivamente de uma nova edição portuguesa do celebrado Sidereus nuncius de Galileu, de uma coletânea que reúne trabalhos sobre aspectos da relação entre a filosofia de Kant e as ciências e, fechando o número, de um livro de entrevistas com cientistas, as quais espelham a diversidade de posições sobre a física quântica.Os dois primeiros artigos deste número tratam, então, de questões que se vinculam à Antiguidade. No primeiro artigo, Cynthia Gusmão apresenta um panorama geral sobre os saberes e conhecimentos musicais na Antiguidade, tendo como limite a Harmônica de Claudio Ptolomeu (século ii), onde é compilada uma grande parte dos saberes e práticas da harmônica antiga. Deslocando o foco de sua análise da ciência para a técnica, a autora concentra sua atenção nos aspectos técnicos da música antiga, com especial atenção ao papel desempenhado pelos instrumentos musicais para o desenvolvimento das investigações acústicas, seja enquanto dispositivos experimentais que permitem o estudo e o desenvolvimento das escalas sonoras, seja enquanto instrumentos que dão corpo ao som, permitindo a expressão musical. Desse modo, a autora consegue mostrar como a investigação musical de Ptolomeu se move entre a concepção pitagórica, puramente aritmética, e a concepção aristoxeniana, mais "psicológica", explorando métodos empíricos de investigação que combinam a geometria e os afetos auditivos. Em seu artigo, Leonardo Levinas e Aníbal Szapiro dedicam-se ao exame das transformações do conceito de "horizonte" em obras astronômicas escritas entre 1440 e 1624, tendo como centro da reflexão o argumento de Ptolomeu de que o comportamento do horizonte pr...
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