A História intelectual, como se sabe, é praticada de muitas maneiras e não possui em seu âmbito uma linguagem teórica ou modos de proceder que funcionem como modelos obrigatórios nem para analisar, nem para interpretar seus objetos -nem tampouco para definir, sem referência a uma problemática, a quais objetos conceder primazia. Desse ponto de vista, o quadro não é muito diferente do que se observa hoje no conjunto da prática historiográfica e, de forma mais geral, no conjunto de disciplinas que até a pouco designávamos como ciências humanas, nas quais domina a dispersão teórica e a multiplicação dos critérios para recortar seus objetos. Mais ainda: pode-se dizer que a disseminação e o apogeu que se observam hoje em dia na História intelectual não estão desvinculados da erosão sofrida pela idéia de um saber privilegiado, ou seja, de um setor do conhecimento que opere como fundamentação para um discurso científi-co unitário sobre o mundo humano.Pode-se considerar que essa situação é provisória e ter confiança em que o futuro produzirá uma nova ordem; ou pode-se celebrá-la, ressaltando as possibilidades que cria para a emancipação de qualquer hierarquia entre os saberes. Pode-se dizer, por exemplo, como faz Bronislaw Baczko (1991, p. 25), que o tempo da ortodoxia caducou e que assim se abre, "afortunadamente", uma nova época, "a época das heresias ecléticas". Contudo, quer a celebremos, quer a imaginemos apenas como um estado provisório que está
Examinando-se retrospectivamente a vida pública argentina, no século XX, a década de 1930 adquire valor emblemático. O golpe de Estado de 6 de setembro de 1930, que definiu tanto o término da experiência democrática iniciada em 1912, como a ruptura da continuidade institucional que caracterizou a vida da República desde 1880, costuma ser visto como o começo de uma crise da ordem política que se tornará crônica. Entretanto, a década de 1930 não apenas é evocada para recortar e caracterizar períodos da vida política nacional, mas também é mencionada em referência às mudanças experimentadas pela economia sob efeito da crise econômica mundial -o início da industrialização em substituição às importações, ou seja, a origem da Argentina industrial, remete a essa década -, sem falar nas transformações do mundo social, como José Luis Romero o atesta."Os antigos conservadores e seus herdeiros seduzidos pelo fascismo não estavam equivocados ao afirmar que o país tinha se desnaturalizado", escreve Romero, ao elencar as razões do golpe de Estado, em sua Breve historia de la Argentina. "Após quatorze anos de governo radical [...] revelou-se um fato decisivo: o país criollo 1 desvanecia-se paulatinamente e sobre ele se constituía uma nova Argentina, cuja fisionomia esboçava a mutante composição da sociedade" (Romero, 1996, p. 141). O variado e extenso universo das classes médias constituía o fenômeno mais evidente dessa nova composição.1. O termo criollo será mantido como tal ao longo do texto, e sempre grafado em itáli-co, devido à especificidade de seu uso na Argentina, ao fazer referência "aos descendentes dos antigos colonizadores espanhóis que vivem no interior do país, mas não os descendentes dos imigrantes mais recentes, mesmo que descendentes de espanhóis". Disponível em . Acesso em 9/10/09 (N. T.).
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