O presente artigo tem como objetivo analisar a regulação das águas brasileiras, propondo a crise hídrica como unidade de análise, com o intuito de compreender a capacidade do modelo regulatório dessas águas para o enfrentamento de situações críticas. Para tal, partimos da compreensão que as crises hídricas são fenômenos sistêmicos, que resultam de um encadeamento de diversos fatores políticos e naturais. Adotamos a abordagem institucionalista para compreensão da regulação das águas. Para analisarmos a atividade dos órgãos reguladores das águas, adotamos como metodologia o levantamento e a análise do arcabouço normativo produzido pelos órgãos regulatórios em nível federal, a Agência Nacional de Águas e o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, e dos instrumentos previstos na Lei das Águas e suas diretrizes, buscando identificar os parâmetros e os apontamentos destes mecanismos quanto ao enfrentamento de crises hídricas. Como resultado, observamos que os órgãos reguladores tendem a compreender as crises como resultantes de fatores estritamente naturais. Também identificamos uma incipiente atividade regulatória em nível nacional, sobretudo, quanto a apontamentos e diretrizes que possam oferecer suporte ao enfrentamento de crises, aspecto que confere ampla discricionariedade aos órgãos responsáveis pela gestão das águas. Concluímos que essa lacuna, ao mesmo tempo em que oferece liberdade aos gestores para o enfrentamento das especificidades regionais, tem contribuído para a ausência de planejamento e diretrizes com preocupações mais claras sobre o enfrentamento dessas crises, o que pode resultar ou fortalecer processos de injustiças hídricas ou em privação do acesso ao recurso.
Parte-se, neste texto, do entendimento de que é no âmbito da gestão ambiental dos territórios que o debate sobre os conflitos em torno do acesso e apropriação dos recursos naturais ganha centralidade, assim como da definição dos instrumentos, procedimentos e instituições responsáveis pela resolução deles. No caso brasileiro, a criação de arranjos institucionais dedicados à negociação de conflitos ambientais se materializa de forma bastante consistente no âmbito da Lei das Águas (Lei no 9.433/1997). Assim, neste artigo, procuramos discutir a eficácia dos Comitês de Bacias Hidrográficas na condição de fóruns dedicados à resolução de conflitos ambientais, lançando mão de conceitos e princípios originários de vários campos do saber, sobretudo da Geografia, do Direito Ambiental e da Ecologia Política. Ao final do artigo, os leitores encontrarão uma breve análise de três referências sobre disputas envolvendo o acesso e uso dos recursos hídricos, e sobre a forma como tais conflitos foram tratados no âmbito de seus respectivos comitês de bacias.
Este texto é composto por duas partes principais. Na primeira, destacam-se algumas das passagens mais importantes da construção de um sistema brasileiro de gestão ambiental. Esse processo construtivo (1973-2010) esteve, nos doze anos iniciais, em grande parte associado à figura de Paulo Nogueira Neto, responsável pela condução da primeira agência ambiental federal. Com base nesses elementos, formula-se uma linha do tempo desdobrada em fases. Na segunda parte, analisam-se as mudanças normativas introduzidas no sistema na década 2010-2020, e sobretudo no último biênio desta. Essa análise evidencia uma ruptura e, consequentemente, a crise de desempenho e credibilidade do sistema brasileiro de gestão ambiental. Essa ruptura marca, assim, a contraposição entre dois “modelos”: o que foi construído ao longo do período 1970/2010 e o segundo que resulta da sua desconstrução, que tem na promulgação do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) um dos seus marcos mais importantes. Essa evidente bipolaridade é resultado de uma conjuntura própria da década 2010-2020, dentro da qual destaca-se o papel, a intencionalidade e a sistematicidade das ações levadas a cabo nos primeiros vinte meses do atual governo federal.
Este artigo analisa a produção normativa dos órgãos reguladores das águas em nível nacional, com o objetivo de verificar se o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a Agência Nacional de Águas (ANA) exercem adequadamente suas competências regulatórias. Dentre os aspectos analisados, estão a eficiência e o planejamento da produção normativa, sua caracterização temática, bem como o nível de fragmentação do espaço regulatório das águas brasileiro. Para a presente análise, utilizou-se banco de dados próprio contendo 792 normas – 608 editadas pela ANA e 194 editadas pelo CNRH cujas variáveis permitiram endereçar as questões acima elencadas. Dentre os achados deste artigo, destacam-se: (i) frequência irregular e falta de planejamento na produção normativa; (ii) predominância de temas procedimentais/organizacionais em detrimento dos substantivos; (iii) complementaridade entre os órgãos na atividade regulatória; (iv) moderada duplicidade na produção regulatória da ANA e do CNRH; (v) inércia regulatória em temas importantes, como irrigação e serviço de adução de água bruta; (vi) desequilíbrio no tratamento normativo regional.
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