Este artigo sumariza algumas sugestões para atualização da pesquisa realizada por Betty Mindlin em 1980, com dados coletados até o início dos anos 2000, jamais publicados, sobre o significado dos nomes Paiter Suruí e sobre o sistema de nominação neste povo. Hoje contamos com as novas gerações de intelectuais Paiter como os principais pesquisadores, assim como os pajés, os quais poderão participar também como conhecedores de épocas antigas. Uma das importantes sugestões é investigar se a antiga tradição de nomear continua produtiva e em que proporções a tradição nacional a tem influenciado.
i -À moda ikoLeN Gavião (1)O jovem adolescente vem voltando da caçada, sorvendo os perfumes da floresta, trilhando veredas familiares. Carrega nas costas, num trançado de folhas verdes de paxiúba, preso à cabeça por uma faixa de embira, seu trunfo de dois mutuns. Tem as mãos livres para tocar uma flautinha de bambu, kutirap. Vai compondo, tomado pela imagem da mocinha que ama. É filha de sua irmã, e desde crianças há no ar algo que os une; sabem que têm o melhor laço de parentesco para casar, ou seja, tio materno com sobrinha. Mas há poucos meses é que os olhares que trocaram prometem muito mais, expressando o desejo que palavras e gestos ainda não concretizaram.A melodia ecoa pelo verde... As notas e sons correspondem a palavras, que a mocinha ao longe ouve e identifica, maravilhada (2):Como uma fruta madura Escorrendo rio de sumo Quero abrir minha amada Lamber a pele de humo Doçura de polpa escura Ela sabe que o canto lhe é destinado, pois o jovem caçador, antes de partir, indicou para onde ia, mostrando o instrumento musical, fálico, embora pequeno, distinto das grandes flautas grossas de festas dos seres do além, os Guyaney.Trêmula de alegria, ela corre para pegar seus arquinhos iridinam, comparáveis a um violino em miniatura, com uma só corda. Ela encosta na boca a madeira de um arquinho, e com a mão esquerda junta a corda do segundo à do primeiro. Os sons mudam quando ela mexe nas cordas com os dedos. Só as mulheres o tocam, para as cantigas de amigo. E ela manda a resposta envolta em notas: Se ela não o amasse, poderia insultá-lo em sua melodia, dizendo à mãe dele que outro é seu namorado.
INTRODUÇÃOUm tema central para compreender o mundo indígena e sua transformação é o conjunto das inter-relações que constituem a comunidade. Em torno de que se une a tribo? O que ocorre com esses laços quando os índíos são inseridos no capitalismo?A idéia de comunidade pressupõe uma discussão do que é igualdade. Para haver vida em comum, é preciso que todos tenham o mesmo acesso, no mínimo, a recursos econômicos -mas também a outros domínios do social. Talvez não haja, por exemplo, nenhuma verdadeira comunidade de homens e mulheres: os homens têm sempre mais direitos; e talvez a única comunidade igualitária seja o mítico reino das Icamiabas, as amazonas. Comunidade e igualdade não são a mesma coisa, ou seja, nem sempre o comunal supõe o igualitário. Comunidade deveria conter sempre um sentido de igualdade. A palavra comunidade tem-se prestado, no entanto, a usos que podem encobrir situações desiguais. Isso porque a comunidade, ou a sua variação através do tempo, pode organizar-se em torno de valores outros que o econômico: religiosos, culturais, de localização, profissionais mesmo, nem sempre coincidentes com igualdade econômica. Exemplos de comunidades étnicas com grandes desigualdades poderiam ser dados -como grupos indígenas na América espanhola, já divididos em classes. Teria sentido, nesta situação, empregar a palavra comunidade?No caso de uma tribo de floresta tropical, como os suruís de Rondônia, de que trata este artigo, as desigualdades internas são pequenas, talvez mais existentes entre homens e mulheres. São os homens que trocam as mulheres, e o poder destas é muito mais informal, subterrâneo, que institucional. De modo geral, todas as pessoas têm acesso aos mesmos bens, consomem aproximadamente o mesmo, vivem da mesma forma. O território é comum, subdividido, grosso modo, entre os três grupos que hoje compõem a tribo (gamep, gamir e makor). Basta ser suruí, ter nas veias o sangue comum, para usar a terra e participar de toda a vida social -mesmo que se trate de pessoas que venham de longe, depois de ausência prolongada. A pertinência à comunidade se estende mesmo a outras etnias -por exemplo, aos muitos cintaslargas residentes nas terras suruís, e a eles unidos por casamentos.A vertiginosa transformação das condições de vida tribal, ao contato com o capitalismo, faz parecer crucial refletir sobre as bases originárias da comunidade, dando indícios ou jogando os dados para adivinhar seu caminho futuro. Como tantas outras tribos, os suruís ingressam no mercado; produzem mercadorias (café, borracha, objetos artesanais) para obter renda monetária; consomem bens. Sem deixar a organização econômica tradicional, já estão inseridos na circulação capitalista. A entrada do dinheiro deve fazer a vida mais individualista, mais voltada para o núcleo doméstico, centrada em quem ganhou dinheiro. Tendem também a diminuir a cooperação no amplo grupo de paren tesco, reduzindo-o à família nuclear.Que é dos laços comunitários originais, então? A base da comunidade não é apenas econômica. As trocas entre os membros da tri...
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