"Destinado a ver o iluminado, não a luz"Minha intenção, neste artigo, é sublinhar o liame (nem sempre visível na superfície dos textos ou no movimento nada linear que desenham) que une de maneira ín-tima o estilo do ensaio crítico de Gilda de Mello e Souza a seu sentido mais fundo: algo como uma "filosofia do sensível", para utilizar a expressão de Merleau-Ponty ou como uma hermenêutica sem ecos teológico-metafísicos como a de um Gadamer ou de um Ricoeur 1 . Não é, com efeito, à primeira leitura que se revela a extraordinária eficácia interpretativa da démarche analítica de seus ensaios: é preciso todo o trabalho da reflexão para ver, no andamento caprichoso e sinuoso de sua escrita, que se demora amiúde em detalhes aparentemente pouco importantes, no alegre trânsito que efetua livremente, atravessando, em constante vai-e-vem, as fronteiras entre as artes (desde as menores às maiores: a moda, a dança, a fotografia, o cinema, a pintura, a arquitetura, o teatro, os diferentes gêneros literá-rios, a música, essa "arte de pensar sem conceitos por meio de sons" 2 ) algo mais do que o arbítrio de uma imaginação * professor da Universidade Federal de São Carlos.1 Sobretudo em Gadamer, tais ecos derivam da presença explícita, em sua concepção da hermenêutica, do segundo Heidegger, depois do Kehre, com sua revalorização do sagrado ou do mito, com seu retorno ao universo do romantismo alemão (origem, aliás, da moderna hermenêu-tica), com a filosofia de Schelling e a poesia de Hölderlin; Ricoeur, por sua vez, embora insista em marcar a separação entre as tarefas da filosofia e da teologia, não deixa, por isso mesmo, de reconhecer a consistência do projeto da teologia como que ao lado do projeto da filosofia. No que concerne a Gadamer (a despeito das restrições que faz à hermenêutica de Schleiermacher e a Schlegel, bem como ao historicismo e às Geisteswissenschaften da Alemanha dos oitocentos), guardemos apenas um argumento