Em nosso texto, apresentando uma concepção de pragmática filosófica e tendo em conta uma exposição wittgensteiniana dos jogos de linguagem, pretendemos mostrar que a descrição terapêutica dos usos das palavras, através do procedimento de variações metodológicas de suas aplicações diversificadas, sugere uma série preciosa de elementos que permitem a exploração do conceito de uso como indicativo de um campo esclarecedor da atividade epistêmica de constituição da significação, através do trabalho com a linguagem e elementos do mundo extralinguístico. Desse ponto de vista, a atividade epistêmica não se limitaria a elaborar modelos cognitivos, mas deveria ser entendida como constitutiva da significação em geral, sendo as formas cognitivas um capítulo apenas, ainda que importante, da atividade mais geral de constituição que define o que é o objeto -ou melhor, define o seu sentido. PALAVRAS-CHAVE: Wittgenstein. Pragmática filosófica. Epistemologia do uso. Terapia. Gramática.
INTRODUÇÃOJá no Tractatus, Wittgenstein expressa a ideia de uma Teoria do Conhecimento como Filosofia da Psicologia, para contrastar o livro com as recentes teorias do conhecimento de sua época, a saber, a de Russell e de Moore. A reflexão sobre atos do pensamento que dizem respeito à lógica não deve ser psicológica, mas logicamente esclarecedora desses atos -eis a perigosa tarefa do livro, que corre o risco de ser confundido com uma análise psicológica, irrelevante para questões lógicas. Wittgenstein parece reconhecer, assim, que há um limite importante a ser observado entre os dois domínios de reflexão, mas que é, ao mesmo tempo, de difícil caracterização. As críticas que dirige a Russell expressam, pois, o cuidado que tem Wittgenstein, já nessa época, a respeito da lógica, de eliminar da reflexão filosófica qualquer elemento psicológico. Esta preocupação, herdada, certa-mente, do antipsicologismo de Frege, percorre toda a atividade filosófica de Wittgenstein até o final de sua vida, e está presente nos extensos comentários que faz sobre termos psicológicos em seus últimos escritos do final dos anos 40. Não somente antipsicologismo, mas, também, o antiempirismo fregeano continua marcando a trajetória de Wittgenstein, mesmo após o Tractatus, quando, então, a concepção de uso (gebrauch) afasta a descrição terapêutica de uma atividade socioantropológica que procurasse indicar causas para o comportamento. Tarefa de difícil execução, sobretudo após a autoterapia do formalismo essencialista do livro de juventude e o mergulho subsequente no solo árido do uso das palavras -que caracteriza a passagem do final dos anos 20 à década de 30 e o aprofundamento da nova concepção de significação. Será preciso demarcar do empírico não apenas o lógico, como, também, o que denominará, então, de gramatical. De qualquer maneira, essas duas atitudes marcaram a trajetória de Wittgenstein sempre que ele refletiu sobre conceitos psicológicos envolvendo relações epistêmicas em geral, através da análi-* Doutor em Filosofia. Professor titular da Universidade Estadual de Campi...