Qual é o lugar da infância na literatura brasileira contemporânea? Essa pergunta, de caráter amplo, pode obter diferentes respostas, a depender do lugar de onde se elabora a resposta. Caso se olhe para a questão a partir dos estudos da literatura infantojuvenil, a infância ocupa lugar de destaque: grande parte das personagens são crianças, a infância é abordada como tema a partir de diferentes perspectivas, e mesmo a linguagem é afetada por uma poética da infância que busca traduzir a perspectiva infantil para os aspectos formais do texto. Porém, ao nos voltarmos para a produção que não está segmentada no universo de leitores infantis, a infância se transforma em tema periférico. Em estudo sobre o romance brasileiro contemporâneo, Regina Dalcastagnè (2005, p. 37), aponta que apenas 7,9% das personagens masculinas e 6,4% das personagens femininas têm suas infâncias representadas nos textos. Esses dados levam em consideração os textos em que as personagens são crianças em qualquer ponto da narrativa, o que nos leva a supor que o número de personagens que permanecem crianças ao longo de todo um romance seja ainda menor.Desse modo, percebe-se que, mesmo com toda a importância que a infância ganhou ao longo do século XX na filosofia, na medicina e nas políticas públicas, por meio da especialização de saberes voltados para a compreensão dos dilemas específicos enfrentados pelos sujeitos que ocupam essa faixa etária, sua presença na literatura não é tão ampla. No entanto, embora limitada do ponto de vista quantitativo, ela é significativa, se considerarmos o investimento na reflexão sobre o papel formativo e determinante da infância, como na obra de autores capitais para as literaturas do século XX, como Marcel Proust e Graciliano Ramos, ou da investigação do universo infantil e seu potencial criativo
Os espaços geográficos pelos quais circula parte significativa dos personagens da ficção brasileira de princípios do século XXI são urbanos e internacionais. A publicação da coletânea de contos Granta em português – Os melhores jovens escritores brasileiros demonstra haver na escrita dos novos autores brasileiros a consolidação de um cosmopolitismo que, ainda quando visto a partir do que Silviano Santiago denomina o “perde-ganha da vida cosmopolita”, isto é, das tensões com as histórias locais, celebra a ideia de uma “cidadania mundial”. Essa ideia, por vezes desconsidera a quem se nega o direito a essa cidadania, ancorada agora mais na possibilidade de se percorrer e consumir espaços internacionais, que no humanismo cosmopolita socrático-kantiano. Se a nação é uma comunidade imaginada, como aponta Benedict Anderson, a comunidade global presente nas narrativas escritas por jovens escritores brasileiros também é uma forma de imaginar pertencimentos.
As relações entre a gênese do romance moderno e dos Estados nacionais já foram exploradas em muitos textos historiográfcos tornados célebres no âmbito da crítica e da teoria da literatura (Eagleton, 2003, p. 24-30; Sommer, 2004, p. 48). Essa gênese diretamente relacionada a um projeto político de consolidação de línguas, e, por consequência, de Estados nacionais, é normalmente localizada nos séculos XVII e XVIII, na Europa e, na segunda metade do século XIX, na América Latina. Ao longo do século XX, contudo, a crítica literária consagrou espaço privilegiado para a discussão das relações entre a literatura e a nação (Mata, 2010a, p. 47). Esse espaço gerou, em princípios do século XXI, uma reação mais declarada de autores que rejeitaram as amarras às questões do nacional, buscando outras saídas e discussões em seus textos. Romancistas como Elvira Vigna e Bernardo Carvalho, por exemplo, investiram na escrita de romances como Coisas que os homens não entendem e Teatro (Mata, 2012, p. 17), que, se não abandonam a circunscrição à temática do nacional, investem contra a ideia de uma nação como defnidora das identidades étnicas e linguísticas de seus protagonistas e dos espaços pelos quais eles transitam.Portanto, esse investimento de valorização dos problemas relativos à representação do nacional na literatura, e, de modo acentuado, no romance brasileiro, feito pela crítica literária ao longo dos séculos XIX e XX ainda encontra ressonância na produção literária de autores surgidos no entorno do século XXI.Milton Hatoum e Paulo Lins, dois autores que, cada um a sua maneira, encontraram, ao longo dos anos 1990 e 2000, espaço de interlocução na crítica literária e público leitor de suas obras, abordam, ora explicitamente, ora a contrapelo, a discussão do nacional, preocupando-se com o problema do que fazer com legado de uma tradição formal, linguística e cultural.
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