No Brasil, as coisas mudam em um ritmo que pode aparentar ser lento e vertiginoso a um só tempo. Para nossa limitada percepção como seres finitos, algumas construções, por exemplo, parecem sempre ter estado no lugar em que estão. No caso do que consideramos como pertencente à tradição clássica, isto é, relativo à constituição, recepção e reelaboração do legado literário e figurativo da cultura greco-romana, a referência quase nunca é facilmente reconhecida pela população, e por isso o constante perigo de destruição. Em um piscar de olhos, o clássico deixa de ser cuidado, zelado; não é mais antigo, pois tornou-se velho. E eis então que aquele monumento de aparência decadente, à vista de todos em local destacado da cidade, seja ela uma metrópole ou um vilarejo, passa a incomodar. O que antes era sinal de cultura, de pertencimento ao mundo dito civilizado, agora é uma ferida exposta, a qual perturba a dignidade coletiva, pois, como ruína, escancara-nos o fato de que a vida é breve, de que, ao final, todos pereceremos. Nesse momento, entregue à sorte, dependendo dos rumos econômicos e interesses políticos, a tradição clássica pode vir abaixo de uma hora para outra se não estivermos atentos – e esse pensamento pode ser estendido, naturalmente, a todo o passado que se constitui como clássico por ser inaugural.
Em 1550, na introdução às três artes do desenho, Giorgio Vasari assegurava que, no que se refere aos escorços, nenhum pintor poderia se igualar a Michelangelo, uma vez que esse artista, antes de pintar, tinha por hábito fazer as figuras em relevo para delas extrair os contornos, as luzes e as sombras. Por volta de 1568, Benvenuto Cellini, então intensamente envolvido com questões acerca do paragone entre a pintura e a escultura, dava crédito ao testemunho de Vasari e continuidade ao mito relativo aos procedimentos metodológicos empregados por Michelangelo. Em 1586, por sua vez, Giovanni Battista Armenini considerava esse fato como conhecido por todos, razão adicional para que ele recomendasse o uso de tais modelos para a pintura. Esse cenário de estabilidade, no entanto, foi rompido quando Giovan Paolo Lomazzo, em seu tratado de 1584, afirmou que Michelangelo jamais se valeu de tais acessórios para realizar suas pinturas. Com efeito, não parece haver razões para se colocar em dúvida os relatos de Vasari, Cellini e Armenini, e então se faz necessária uma reflexão para se compreender as motivações que orientavam Lomazzo naquele momento. O que se pretende com esta comunicação é demonstrar a possibilidade de o artista e teórico milanês ter articulado ao menos duas vertentes conceituas ao adotar tal posicionamento: de um lado tratava-se ainda de uma tardia reação ao paragone, de outro surgia a crença de que a pintura, para valorizar-se e fazer jus à sua posição de arte liberal, não podia recorrer a procedimentos mecânicos e desprovidos de ciência como efetivamente eram os modelos plásticos auxiliares.
A produção artística de Jacopo Pontormo já foi classificada tanto como integrada ao Maneirismo quanto como sendo a expressão de um experimentalismo anticlássico. Ao longo do século XX, muitas foram as tentativas empreendidas por historiadores da arte para vincular o Maneirismo a um ambiente configurado por profundas crises, e a obra de Pontormo não foi excluída desse cenário. Neste artigo, proponho uma revisão dessa interpretação através de uma possibilidade para seu desdobramento. Para tanto, recorro ao que aqui se define como “noção de incerteza”, algo que passou a se manifestar mais fortemente a partir daquele período. Com a intenção de demonstrar a plausibilidade dessa proposição, foram consideradas uma possível fonte intelectual, isto é, a renovação do ceticismo a partir da circulação da obra de Sexto Empírico, assim como os próprios escritos, pinturas e desenhos de Pontormo.
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