INTRODUÇÃOEste artigo consiste em um debate sobre a especificidade da presença do Estado em favelas, especialmente do chamado Estado Legal, que se corporifica em um conjunto de normas abstratas e genéricas e em órgãos e procedimentos criados para efetivá-las.Para a abordagem aqui pretendida, tomamos como ponto de partida o processo de consolidação de políticas públicas voltadas à melhoria das condições de moradia nas favelas, que, neste trabalho, são genericamente identificadas como Políticas de Regularização, uma vez que é desta forma que a maioria dos programas tem se apresentado nas últimas décadas. Notamos que a noção de regularização se converteu no grande símbo-lo, e/ou no principal eixo articulador de políticas integradas de intervenção do Estado nas favelas, e junto a este conceito está uma série diversificada de medidas, algumas delas de difícil conjugação. Dentre elas, destacam-se aquelas que visam: (i) a formalização da propriedade da moradia; (ii) a dotação de infraestruturas urbanas na área sob intervenção; (iii) a adoção de medidas de legalização urbanística, edilícia e fiscal; e até mesmo (iv) a implementação de ações voltadas ao desenvolvimento econômico e social (Alfonsin, 1997).
Na celebração dos 15 anos de vigência do Estatuto da Cidade, o presente trabalho busca trazer uma contribuição no sentido da análise sobre a eficácia de um de seus instrumentos principais, qual seja, o parcelamento, edificação e/ou utilização compulsórios, tendo como referência empírica o Estado do Rio de Janeiro. Esta análise passa pelo aspecto de verificação de sua aplicação nos municípios fluminenses, nos âmbitos normativo e prático, e também pela identificação dos instrumentos e possibilidades manejadas pelos entes nos casos de sua não aplicação, buscando problematizar os entraves enfrentados pelos municípios e as causas de tais e quais escolhas realizadas por estes entes para o combate ao grave problema dos vazios urbanos e da subutilização de imóveis nas cidades fluminenses.
O presente artigo integra um esforço de pesquisa, que vem sendo desenvolvido ao cabo de, ao menos, uma década, no sentido de conhecer as favelas – e, de modo mais abrangente, os assentamentos de baixa renda – e suas dinâmicas internas, desde um ponto de vista sociojurídico. Consiste em contribuir, com o olhar e com os instrumentos analíticos do jurista, para o amplo e longo debate a respeito do desenvolvimento, consolidação e requalificação das favelas, tema de interesse seja no Brasil, seja em outras sociedades nacionais. No espaço de que disponho nesse artigo, buscarei conceptualizar a noção-chave que corporifica esse esforço, esclarecendo o que entendo por Direito das Favelas, noção que propusemos e vimos adotando em nossos escritos desde 2007, explicitando os pressupostos e as questões nas quais essa noção se traduz, bem como indicando algumas possíveis ilustrações e aplicações que ela admite. Como resultados, buscaremos apontar o potencial renovador – e ampliador – que este debate possui em relação à teoria jurídica e à teoria social a respeito das favelas, bem como, suas repercussões de ordem teórico-prática, a exemplo de sua potencialidade em contribuir para a reorientação de políticas urbanas comumente aplicadas a esses espaços, como as de urbanização e regularização.
A partir de uma abordagem de cunho teórico-prático, cuja empiria se baseia na experiência do município de Juiz de Fora (MG) com ações de regularização fundiária, o artigo busca refletir, de maneira contextualizada, sobre o desenho, o processo e o momento “pós-intervenção” da regularização de assentamentos urbanos de baixa renda. Apesar de avaliar que a experiência estudada ficou aquém do atendimento do conceito de regularização fundiária plena, o trabalho sistematiza pressupostos e lições que dela emergiram, propondo algumas balizas para a atualização do conceito e das práticas em questão. É dada atenção especial aos beneficiários da regularização, contrastando a visão recorrente de que eles são meros "parceiros” com a perspectiva que os situa como protagonistas do processo.
Os textos que se inscrevem nesta obra, procedentes de pesquisadores e pesquisadoras dos dois coletivos que a conceberam e foram convocados por chamada geral para a edição, abordam o Direito Urbanístico a partir de uma perspectiva crítica, como um campo do pensamento e da prática jurídica vocacionado às transformações sociais e urbanas necessárias para a efetivação dos direitos reivindicados pelo povo e pelos movimentos sociais, sejam eles reconhecidos pelo Estado e pelos organismos internacionais, sejam eles direitos formulados na vida social e ainda em processo de legitimação e de reconhecimento pelas diferentes institucionalidades. Na parte I, busca-se apresentar a relação entre a teoria de O Direito Achado na Rua e o conjunto de princípios, normas e fundamentos históricos e sociais do Direito Urbanístico no Brasil. Os textos aqui reunidos buscam fazer uma interface entre os fundamentos teóricos que lastreiam o Direito Urbanístico e O Direito Achado na Rua. Na parte II, estão concentrados textos que aportam reflexão e análise sobre o direito à cidade em seu aspecto teórico e prático, como núcleo fundante e paradigma do Direito Urbanístico. Os textos reunidos nesta parte II são aqueles que, de forma mais aprofundada, propõem uma reflexão sobre esse direito, seja a partir da matriz lefebvriana, seja a partir da crítica de outros autores e também da práxis dos movimentos sociais. Na parte III, os textos reunidos abordam formas concretas de lutas e experiências sociopolíticas que buscam efetivar o direito à cidade a partir das mais diversas óticas. Na parte IV, estão reunidos textos que avaliam criticamente a experiência da construção e efetivação do marco jurídico-urbanístico no Brasil, a partir da Constituição de 1988 e do Estatuto da Cidade. A parte V reúne alguns documentos históricos de difícil acesso. Assim, além dos documentos produzidos na escala nacional e internacional que refletem o processo social e político de construção do Direito Urbanístico no Brasil e no mundo, selecionamos, a título exemplificativo, documentos produzidos na escala local, a fim de demonstrar a interconexão e influência recíproca entre diferentes escalas de produção de direitos.
O projeto que ora se apresenta se apropria dos resultados de uma pesquisa preliminar, realizada no ano de 2015 (MAGALHÃES e RIBEIRO, 2016), em 10 municípios fluminenses, envolvendo entrevistas com gestores, que revelou um cenário geral de aplicação resisual dos Planos Diretores por distintos motivos, dentre eles: desconhecimento das disposições contidas nos planos, desaparelhamento e/ou baixo desenvolvimento institucional das prefeituras, conflitos políticos, influência dos agentes do mercado imobiliário, conservadorismo político, dentre outros.
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