resumo A poesia de Manoel de Barros toma como uma de suas forças "esses começos de coisas/ indistinta". Ao dizer que queria apenas se ser nas coisas, ele designa o poeta enquanto "o aparelho de ser inútil", alguém que, através de um trabalho de desregramento do corpo, criando "inutensílios", é colocado em fusão com as coisas e em desobediência intensiva dos sentidos da língua. Esta desobediência atua diretamente na reconstrução material da frase que, perturbando a ordem, busca dizer o inominado, o larval, os ínfimos das coisas, as pré- ou antecoisas e o inominado da linguagem.
Uma das características daqueles que pensam poeticamente é a confiança nos efeitos da linguagem, conquistada pela experiência dos movimentos aos quais, ao longo da vida, sobretudo quando à revelia deles, a força de alguns arranjos de palavras os obrigam, transformando o presente em futuros indetermináveis. Sem a violência de um sentido inesperado sobre a pessoa, sem a coação desse prévio exterior a impor um lance de confusão ao que era interior, sem esse veloz impacto de uma subitaneidade desestruturante das fixidades, não há poético. Nesse lance de confusão, vazador da linha de exclusão entre exterior e interior, nessa instauração de uma zona de mútua permeabilidade, principia o pensamento.Para quem se dedica a ela, a linguagem poética é afeita às implicações (não às explicações), às instabilidades (não às estabilidades), levando, constantemente, o dedicado de uma posição a outra, de uma criação a outra, pois os lugares então surgidos são invenções que o poético realiza através do pensador, abrindo, por ele, nele, nessa nova zona de permeabilidade, uma inindividualização que garante, simultaneamente, um tipo não antecipável de reindividualização. É o poético que fabrica as individualidades de quem participa de seu jogo, não o inverso.A exploração desse âmbito de sujeição às acelerações das mudanças, esse ato de aventura e instigação perpetrado pela voz aceleradora de qualquer movimento -inventando uma diagonal de legibilidade atuante, onde uma nova possibilidade cabe somente nas palavras que, por sua vez, afetam o cotidiano, transformando-o -, é a tarefa dos pensadores poéticos. Como se eles mostrassem que o beco sem saída pode até existir na rua aqui do lado, mas não nos intermináveis fluxos do pensamento, nos quais, com um veleiro sem velas *
Desde um discurso privilegiador de um suposto saber acumulativo que busca acessar, clarificar e transmitir seu objeto de estudo, a crítica e o ensino literários vivem o desconforto de lidar, de maneira demasiadamente instrumental e subserviente a seu objeto, com uma escrita criadora que não se deixa apropriar por nada de externo a si que a ambicione confiscar. Acreditando muitas vezes apreender o objeto, quando, de fato, preenchem um vão que, inapreensível, insiste em permanecer vazio, a crítica e o ensino literários não obtêm mais do que um entulhamento da obra literária, perdendo, consequentemente, o que dela é fundamental. Suas tentativas são de suprir a falta, suturá-la, apagando até as cicatrizes que deixam os últimos vestígios da costura que, ilusoriamente, cola o vazio. Nestes casos, o dilema que se mostra é o de, através da diferença entre conhecimento demonstrativo e criação, pleitear uma via de acesso para a obra inacessível, apropriar-se da obra inapropriável. Nas certeiras palavras de Eduardo Prado Coelho em um texto declaradamente inspirado em Estâncias, de Giorgio Agamben, o "'universitário' [forjando simulacros de apropriabilidade] procura cercar a obra literária com todo um ritual sádico em que o saber funciona, na sua acumulação ilimitada, como forma de predação." * A mesma prevenção contra um predomínio do universitário como predador é defendida por Roberto Corrêa dos Santos, ao afirmar que, exercido no vão, na brecha, na rachadura e na ruptura, o "saber não se faz por acúmulo, nem por sofreguidão". * A dificuldade da crítica literária também é a de como se tornar capaz da intensidade da obra, já que, por inabilidade ou fragilidade, ela merece, segundo sua autorreflexão reveladora de seu complexo de inferioridade, ser esquecida em nome da privilegiada.
La apoesía contemporánea: a partir de los conceptos de posautonomía e imaginación pública de Josefina Ludmer Contemporary Unpoetry: From Josefina Ludmer Concepts of Post-autonomy and Public Imagination A apoesia contemporânea: a partir do conceito de pósautonomia ea imaginação pública de Josefina Ludmer
EM UM ESPAÇO E EM UM TEMPO EXATAMENTE DETERMINADOS, O CARNAVAL CARIOCA É UM PONTO DE INTENSIFICAÇÃO QUE, NO LUGAR DE FLAGRAR APENAS A BANALIDADE DA VIDA COTIDIANA, PERMITE A CIDADE DO RIO DE JANEIRO SE MOSTRAR COMO A QUE, COM SUA TÃO GRITANTE MULTIPLICIDADE, ABRIGA NA COMPLEXIDADE COSMOPOLITA DE SEU AQUÁRIO MULTICOR, “A MAIS PUJANTE CIVILIZAÇÃO DO BRASIL”, A QUE, EXPERIMENTANDO O EXCESSO DAS SENSAÇÕES, EXPERIMENTANDO UMA ATOPIA E UMA ANACRONIA, GOZA. QUAL O LUGAR DO POETA NO POEMA? ESTE ENSAIO TRATA, PORTANTO, DE FAZER UMA LEITURA DE “CARNAVAL CARIOCA”, POEMA DE MÁRIO DE ANDRADE.
Seria possível dizer que um modo determinante do começo da filosofia surge como uma interpretação do poeta e da poesia. No Íon, de Platão, Sócrates atravessa o diálogo mostrando ao personagem que o intitula que o poeta e o rapsodo não atuam por técnica nem por episteme. Havendo no respectivo texto essa vertente negativa, há, igualmente, uma outra, afirmativa, a dizer quem são o poeta e o rapsodo. É certo, então, que eles não estão em si, que o senso não está mais neles, que eles estão fora de si. Estando fora de si, foi um deus que retirou deles o senso, utilizando-se deles como servidores, fazendo com que estejam possuídos, ou seja, o que, no diálogo, move o poeta e o rapsodo é uma potência divina, uma concessão divina. Por não estarem em si, por estarem em alguma divindade (a Musa, Apolo, Dionísio), os poetas são chamados de seres sagrados, leves, alados. Algo os tira do chão, os faz voar, dando a entender que o que pesa em nós é a própria humanidade, da qual, inumano, o poeta, ao menos temporariamente, se livra ("não são humanos estes belos poemas, nem de homens, mas divinos e de deuses"). Parece que o que pesa é a própria humanidade. Ou seja, movido pelo deus, o poeta e o rapsodo não são aqueles que poetam pela exclusividade da técnica nem da episteme, mas pela força maior do entusiasmo que os toma ao estarem fora de si. Na medida em que não são os poetas e rapsodos que falam, mas, por eles, os deuses, que, assim, se fazem ouvir por nós, eles são incapazes de poetar sem terem ficado entusiasmados e sem estarem fora de si. Os poetas são porta-vozes dos deuses e os rapsodos são porta-vozes dos porta-vozes dos deuses, sem que haja perda no que, imantando-os, foi enviado. Demarca-se então essa articulação entre o fora de si e o entusiasmo, experiências e termos que não deixarão de, de diferentes maneiras, se tornar preponderantes no dito de poetas e teóricos futuros em suas reflexões e em seus depoimentos sobre a poesia.Uma pergunta poderia ser feita seria: como se dá a passagem do em si para o fora de si, do poeta e do rapsodo à divindade, de seus sensos para o fato de serem insensatos, do humano para o inumano, de suas individualidades para se tornarem possuídos, portavozes, servidores, intermediários, médiuns, intérpretes, tradutores? Platão também nos responde isso: no caso da poesia lírica, que, cantada, vem com a música, é mais explícito: é pela harmonia e pelo ritmo, ou seja, por algo na concretude da própria musicalidade da lira
Resumo De dentro do eclipsamento da política, a poesia vem se fazendo um lugar de combate contra as totalidades e seus totalitarismos. Parto de uma das principais linhas de força da poesia contemporânea: poemas em que escritos autobiográficos se colocam como políticos através de fraturas que nos fazem pensar feridas, a um só tempo, familiares e comunitárias, íntimas e públicas, atuais e históricas. Enquanto a poesia feita no Rio de Janeiro fora, até certo ponto, realizada predominantemente por moradores da Zona Sul, o local de proveniência do poeta André Luiz Pinto demarca uma intrusão política diferenciada, o subúrbio e o morro, que levam a uma repetição de uma urgência em seus poemas: “A adolescência não sabia/ que apesar da confusão entre prosa/ e poesia, isto não é a revolução. O que pesa/ é o salário que custeia a vida e a verdade é essa”.
Nascido em 1966, Alberto Pucheu é poeta, ensaísta e professor de Teoria Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). www.albertopucheu.com.br.
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