RESUMO Esta escrita é desdobramento de um percurso investigativo comum das autoras a partir da obra da artista brasileira Lygia Clark, especialmente no que tange às interfaces arte-vida, arte-clínica, arte-política, implicadas em suas obras e proposições. Temos a psicologia e a dança como territórios profissionais-existenciais de partida e nos interessamos pelas experiências tecidas em uma trama transdisciplinar. No ano de centenário da artista, 2020, acordamos a memória inscrita no corpo da trajetória de Lygia Clark nos indagando sobre as possíveis contribuições de seu legado na contemporaneidade. Compreendemos que a violência colonial, que insiste nos tempos de agora, incide sobre o corpo, anestesiando sua dimensão sensível e absorvendo sua dimensão criadora, e se estabelece por meio de uma política de desencantamento da vida. O movimento de produção de saúde, que a trajetória de Lygia inspira, faz-nos afirmar seu percurso como possibilidade de ativação da dimensão sensível do corpo e de restauração do sentido de encanto. Por meio da partilha de algumas memórias de experimentações que foram criadas no contágio com a sua obra, desejamos criar sopros que liberem sentidos à aventura do viver e teçam espaços de ativação de uma saúde poética.
o presente texto recolhe fragmentos de um percurso de pesquisa de pós-doutorado que toma a errância como dispositivo de abertura do corpo à experiência, ensejando ativar regimes sensíveis e práticas de si-mundo capazes de reencantar o corpo e a vida. A arte de Rosana Paulino e Lygia Clark sopra e ressoa as políticas/poéticas de encantamento e rasga a fina membrana colonial, deflagrando estados de corpo transfigurados pelas intensidades que o interpelam, numa expansão de si que ultrapassa a forma individual e conecta humanos e não-humanos numa única teia viva, como ensinam os indígenas.
Tomando uma transversal entre os filmes O cheiro do ralo e Estamira problematizamos os modos de subjetivação nas cidades contemporâneas, buscando escapes às estratégias hegemônicas de controle, a partir da ativação do que denominamos subjetividade-ciborgue em sua potência estética de criação de mundos. A partir da proposição que na sociedade de controle somos todos híbridos, ciborgues pós-humanos, cabe indagar se desejamos, como Lourenço, protagonista do filme de Heitor Dahlia, vivermos/morrermos entorpecidos pelo cheiro do ralo, fedor que emana das tripas do capitalismo, ou se, inspirando-nos em Estamira, construiremos do, no e com o Lixo modos de existência capazes de afirmar a vida.
O estágio supervisionado na graduação em Psicologia é o plano de experimentação coletiva que emerge como aposta de formação na encruzilhada entre clínica e arte. Uma prática clínica transdisciplinar que se aproxima da arte de Hélio Oiticica como “forma de atividade” onde “possa emergir uma coletividade” por meio de apostas que propiciem “estados de invenção”. Desse modo, afirmamos a dimensão estética da clínica por meio de dispositivos que engajem os estudantes na criação de si mesmos como terapeutas e na invenção de relações de cuidado singulares entre o próprio grupo e com os clientes. Tal direção nos aproxima de Foucault e suas proposições do cuidado de si e da estética da existência para tomar a formação do psicólogo como construção de um ethos. Arte, corpo e clínica se entrelaçam na constituição de uma experiência de formação que transita entre os planos intensivo e extensivo da existência e expressa os efeitos deste trânsito como criação de si, de objetos, de mundos ao experimentar ressonâncias, dissonâncias e partilhas.
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