Várias conferências já foram feitas, aqui, sôbre psicanálise, abordando, seja casos clínicos, seja a teoria do processo. Procurarei dizer em que consiste o processo analítico, isto é, o que acontece no consultório do psicanalista. A opinião comum é que lá dentro se fala de cousas sexuais, isto é, de assuntos proibidos ou indelicados, que tanto atraem uns quanto repugnam a outros. Quem já leu alguma cousa sôbre psicanálise sabe que o analista liberta o doente dos seus complexos; poucos leigos, porém, têm uma idéia clara do conceito de "complexo". Quem, como paciente, conhece êsse famoso complexo de Édipo, está convencido de que, com éste conhecimento, o tratamento será breve. A verdade, porém, é bem diferente; quanto menos os pacientes sabem da psicanálise, tanto mais fácil a tarefa do analista. Por outro lado, os médicos, conhecendo por experiência própria o poder psíquico que eles, em geral, têm sôbre seus pacientes, são inclinados a atribuir as curas psicanalíticas à sugestão. Muitos já me perguntaram, irônicos, se meus pacientes já acreditam naquilo que lhes sugeri. Na verdade, porém, a sugestão não desempenha papel importante no processo da psicanálise. Vejamos, primeiramente, em que consiste a diferença entre as psicoterapias gerais-sugestão ou hipnose-e a psicanálise, pois é essa diferença que explicará o processo prático da análise e suas bases teóricas. Freud referiu-se, a propósito dêste fato, à definição que o grande Leonardo da Vinci deu das artes pictórica e plástica: uma trabalha " por via de porre" e a outra " por via de levare"; isto é, o pintor aplica pinceladas na terra, ao passo que o escultor subtrai do mármore. O mesmo acontece nas duas psicoterapias: a sugestão põe alguma cousa que se acredita seja bastante forte para suprimir as idéias patogênicas; ela não cuida da origem nem da importância dos sintomas neuróticos, ao passo que a análise quer tirar alguma cousa e, por isso, procura conhecer a gênese dos sintomas, a conexão psíquica das idéias patogênicas. Para compreender melhor os efeitos da terapia sugestiva, perguntaremos: por que tem o médico muitas vezes o poder de sugestionar seu paciente, e em que consiste o efeito dessa terapia? Para responder essa pergunta, devemos, primeiramente, tratar do fenômeno da transferência. Esta, no sentido mais amplo, pode ser assim explicada: se uma pessoa, por seu procedimento, produz em outra determinado afeto, esta outra pessoa manifestará os mesmos afetos em situações semelhantes. Se, por exemplo, o pai, por sua atitude severa, produz no filho o sentimento de medo ou angústia, o filho terá o mesmo sentimento diante do professor. Embora êsse professor nada tenha, no seu procedimento, que justifique tal sentimento de medo, a semelhança da situação, isto é, a situação de dependência, determina no aluno, ainda que adulto, a repetição daquele medo que Conferência feita na Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina em 5 outubro 1945.
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