Vivendo em lares alheios

Abstract

Na cidade de São Paulo, a assistência pública à crianças e jovens órfãos e abandonados surgiu no ano de 1825 com a organização de uma Casa de Expostos e Órfãos. No período anterior, os pais e mães que não podiam, ou não queriam ficar com os filhos, contavam somente com o auxílio particular oferecido por pessoas que recebiam e criavam a prole alheia. Amplamente difundida na América Portuguesa, a prática do acolhimento domiciliar de crianças e jovens era uma das faces de um complexo sistema de redes sócio-culturais. O objetivo desta tese é analisar essa prática sócio-cultural na cidade de São Paulo, entre 1765 e 1822, buscando delinear as motivações ao acolhimento e as relações estabelecidas entre acolhedores e acolhidos.

A circulação de crianças e os sentidos da escolarização para mães de criação que vivem em territórios vulneráveis

“…Dessa forma a criança pode passar por diversas "mães" sem nunca passar por um tribunal. (FONSECA, 2006, p.9) Pesquisas historiográficas (VENÂNCIO, 1993;ZORZETTO, 2007) examinam que, nos séculos XVIII e XIX no Brasil, as crianças deixadas nas "rodas dos expostos" por seus genitores eram entregues pelo governo a outras famílias paras serem alimentadas por uma "ama de leite" que pudesse cuidar delas até os sete anos, recebendo do governo auxílios por essa responsabilidade. A pesquisa de Venâncio (2007) sugere que algumas crianças poderiam ficar na casa da família que as abrigava até a vida adulta.…”

“…A pesquisa de Venâncio (2007) sugere que algumas crianças poderiam ficar na casa da família que as abrigava até a vida adulta. Zorzetto (2007) observa que entre o final dos anos 1800 e início dos anos 1900 era grande o número de domicílios em São Paulo que abrigavam crianças que não eram filhas dos responsáveis, e nessa configuração familiar designavam-se diferentes categorias, naquela época, conforme os dados encontrados em registros oficiais: enteados, sobrinhos, afilhados, órfãos, expostos ou enjeitados, aprendizes e agregados. (ZORZETTO, 2007 p.71).…”

“…Foi no início da pesquisa que conheci os trabalhos da antropóloga Claudia Fonseca, que inaugurou, nos anos 1990, as pesquisas a respeito de transferências de crianças no Brasil, denominando como "circulação de crianças" o fenômeno no qual filhos biológicos deixam de viver com os genitores durante a infância para morar com vizinhos, parentes, madrinhas e conhecidos de suas famílias de origem (FONSECA, 2006). A circulação de crianças integra uma parte importante das organizações familiares brasileiras há muito tempo (ZORZETTO, 2007) e é bastante comum nas classes populares (FONSECA, 2006).…”