OACHADO OCASIONAL DE VALORES negativos de anticorpos anti-receptor de TSH no soro de pacientes com doença de Basedow-Graves levou à descoberta da presença de anticorpos anti-TSH nestes indivíduos (1). Entretanto, a prevalência de anticorpos anti-TSH no soro de portadores de doença de Graves é baixa e estes anticorpos aparentemente não estão envolvidos com a fisiopatologia desta doença, como chegou a ser sugerido na década de 80 (2). Além da descrição de anticorpos anti-TSH no soro de pacientes com Graves, proteínas capazes de inibir a ligação do TSH às célu-las tireóideas também foram detectadas no soro de indivíduos normais (3). Essas moléculas foram caracterizadas como imunoglobulinas (Ig) anti-TSH, as quais reconheciam TSH bovino, suíno ou humano. O epítopo principal, em alguns casos, parece estar relacionado à subunidade alfa do TSH, havendo possibilidade de reação cruzada desses anticorpos com outros hormônios glicoprotéicos adeno-hipofisários, como LH e FSH (4).Uma das principais funções do sistema imune corresponde à produção de anticorpos, sendo os linfócitos B as células responsáveis pela produção dessas moléculas fundamentais para a defesa do organismo. Há mais de um século o conceito de discriminação entre o "próprio" e o "não-próprio" pelo sistema imune foi introduzido por Ehrlich (apud ref 5). Segundo esse conceito, as células do sistema imune que são capazes de reconhecer as estruturas que fazem parte do próprio organismo deveriam ser destruídas ou ter a sua função silenciada. Portanto, admitia-se que a produção de auto-anticorpos (anticorpos contra proteínas do próprio organismo) seria secundária à desregulação do sistema imune, o que levaria ao desenvolvimento de doenças. Entretanto, a análise imunoquímica dos anticorpos presentes no soro em condições normais demonstrou a presença de auto-anticorpos da classe das imunoglobulinas G (IgG) em indivíduos saudáveis, o que corresponderia ao chamado repertório de anticorpos naturais (5). A descoberta dos anticorpos naturais foi de extrema relevância para o avanço do conhecimento sobre o funcionamento dos linfócitos B e culminou com o uso cada vez maior desses anticorpos (imunoglobulinas endovenosas -IVIg) para o tratamento de doenças auto-imunes (5). Na atualidade, há várias questões em aberto sobre a regulação da produção de anticorpos naturais, pois conhecemos ainda muito pouco sobre o sistema imune, sua interação com outros sistemas e o controle da produção de anticorpos contra proteínas que fazem parte do próprio organismo.Os anticorpos naturais são menos específicos e têm menor afinidade pelo antígeno do que os anticorpos produzidos após imunização ativa (5). Há estudos demonstrando que os anticorpos naturais podem corresponder a cerca de 50% dos anticorpos presentes no soro de indivíduos normais, sendo a maior parte polireativa, ou seja, capaz de reconhecer mais de um antígeno (5). Essa menor especificidade dos anticorpos naturais seria uma das possíveis explicações para a observação de que os anticorpos anti-TSH poderiam reconhecer TSH bovino e s...