Paulo (USP), investigador do Grupo de Investigação do Desempenho Espetacular (GIDE), do Departamento de Artes Cénicas da mesma instituição. Tem desempenhado actividade docente em várias universidades brasileiras, e é também encenador, actor e coreógrafo.
Memória e imaginaçãoPassado e futuro, memória e antecipação, o teatro, como afirma Lehmann no seu estudo sobre o pós-dramático, pode configurar um espaço-tempo de "lembrança de algo em suspenso", diante do qual experimentamos o enfrentamento com um outro tempo marcado pela confluência entre os elementos da história pessoal e da história coletiva. Esse "tempo-agora da lembrança" no teatro responde às mais diversas pulsões. Por vezes, pode surgir como ativação do espírito épico da lembrança, fazendo revolver, de forma obsessiva -como no teatro lírico-cerimonial de Kantor -as recordações da infância misturadas com reminiscências da história, assim como com os mais diversificados temas religiosos. Por outras, esse espaço-tempo da memória pode gerar, dentro da cultura avançada, uma espécie de "frágil banco de memória de imagens" (Fuchs 1996: 107) que retém cenas extraídas de narrativas conhecidas, ou reconstituíveis pelo espectador, assim como ocorre, por exemplo, em boa parte dos trabalhos de Robert Wilson, nos quais surge uma história universal como "caleidoscópio multicultural, etnológico, arqueológico" (Lehmann 2007: 131). No meio das paisagens de Wilson, que misturam tempos, culturas e espaços, costumam transitar figuras e temas universais colhidos a partir dos mais díspares contextos históricos, religiosos e literários: Einstein, Freud, Edison, a rainha Vitória, Rei Lear, São Sebastião, Tarzan, a Arca de Noé, o livro de Jonas, textos indianos, a Atlântida, Stonehenge 1 .Outras vezes, ainda, como na cena total de Robert Lepage -a que queremos aqui destacar, inicialmente -, essa dimensão temporal da memória suspensa surge a partir da transformação lúdica dos eventos, mobilizada pela distorção das lentes imperfeitas da memória, de modo a fazer com que a "história seja transformada em mitologia" (Lepage apud Dundjerovic 2007: 11). Daí a valorização, por parte de Lepage, do décalage do olhar estrangeiro, assim como o desprendimento em relação à 1 Cabe lembrar, ainda, no caso do teatro performativo brasileiro, as montagens do Grupo Sonda (liderado por Maria