RESUMOEste artigo tem por propósito caracterizar e discutir as práticas de descarte de refugo dos grupos escravizados que ocuparam o Colégio ou Fazenda dos Jesuítas de Campo dos Goytacazes (RJ), um estabelecimento que tinha por principal atividade produtiva o cultivo da cana-de-açúcar. Escavações arqueológicas em quatro contextos de deposição relacionados à ocupação dos cativos e à ocupação da casa grande revelaram as similaridades e diferenças nas formas de se lidar com o refugo cotidiano entre esses dois grupos antagônicos. Essas formas de descarte dizem respeito tanto à manutenção quanto à modificação de práticas de descarte tradicionais, de origem africana. Os cativos, ao mesmo tempo em que aderiram a modificações nessas práticas em decorrência da imposição de um ideário higienista pela camada senhorial, foram aptos a manter formas mais tradicionais de lidar com os seus resíduos. Deste modo, as práticas de descarte de refugo consistiram em uma das diversas táticas que esse grupo empregou para manter uma cultura diferenciada daquela da casa grande e, assim, desafiar as normas sociais que lhe eram impostas. Palavras-chave: senzalas, século XIX, análise distribucional, descarte de refugo.
ABSTRACTThis article approaches the refuse discard practices of enslaved groups who lived in the Jesuit Plantation of Campos dos Goytacazes (RJ). Archaeological excavations carried out in the slave quarters and in the planters' refuse disposal areas revealed similarities and differences in the ways of treating the daily garbage. The evidence suggests that enslaved groups were able to keep, in some contexts, traditional African discard practices, modifying these practices in other contexts according to the planters' hygienic precepts. In this sense, refuse discard was one of the several tactics that enslaved groups applied to keep a culture of their own and, thus, to challenge the social rules that planters tried to impose on them.