Em edição anterior da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva 1 , discutimos a mudança de paradigma decorrente da demonstração da presença de divisão celular de cardiomiócitos adultos em corações transplantados. As implicações dos achados descritos por Quaini et al.2 são dramáticas, pois contradizem o conceito básico de ausência de atividade mitótica em órgãos terminalmente diferenciados, como o coração e o sistema nervoso central. Conseqüentemente, observamos uma revolução científica, em que pesquisadores estudam as interações celulares responsáveis pela manutenção da homeostasia em órgãos especializados, como o coração. Nesse contexto, a terapia celular surge com um objetivo ambicioso e sem precedentes: reparar o coração após estabelecida a lesão miocárdica. Neste editorial, daremos continuidade à série de artigos de revisão publicada anteriormente, que avaliou a terapia celular no infarto agudo do miocárdio 3 , na cardiomiopatia isquêmica 4 e na cardiomiopatia dilatada 5 . Entretanto, ao invés de resultados de estudos clí-nicos e pré-clínicos, discutiremos os conceitos e as direções futuras desse novo capítulo que começa a ser escrito na história do tratamento das doenças cardiovasculares.Para entendermos e avaliarmos os resultados dos trabalhos clínicos realizados até o presente momento, estudando o papel da terapia celular em Cardiologia, precisamos revisitar alguns conceitos básicos de metodologia. Como qualquer novo tratamento, a terapia celular, antes de ser aceita, deve ter seu perfil de segurança precisamente determinado. Os resultados de trabalhos clínicos de fase I avaliados em conjunto são importantes para definirmos o perfil de segurança em relação a: população de pacientes tratados, contexto clínico, via e dose de administração. Até o presente momento, a maioria dos estudos clínicos demonstrou a segurança do uso de células autólogas (mononucleares derivadas da medula ou progenitoras circulantes) para o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva ou pós-infarto agudo do miocárdio 6 . As vias intracoronária e intramiocárdica também revelaram perfil de segurança favorável. Apesar de grande variação entre os estudos, doses até 2,5 x 10 9 não se associaram a efeitos adversos. O passo seguinte para o estabelecimento de uma nova terapia é a demonstração de sua eficácia. Esse é um dos pontos de maior controvérsia no momento. Com resultados muitas vezes divergentes e conclusões precipitadas a partir de trabalhos com pequena amostragem, a terapia celular enfrenta grande ceticismo por parte da comunidade científica. Tentaremos entender o contexto atual para podermos mais precisamente fazer considerações a respeito de perspectivas futuras. O objetivo final de qualquer forma de tratamento é reduzir a morbidade e a mortalidade de uma doença específica, em uma população definida de pacientes. Para isso, precisamos de ensaios clínicos aleatorizados com grande número de pacientes e acompanhamento prolongado. Por questões práticas, muitas vezes adotamos marcadores substitutos, ou surrogate mark...