DOSSIÊ
INTRODUÇÃOVia de regra, é muito secundária e limitada a função desempenhada pela investigação histórica em estudos etnológicos. Minha intenção, ao procurar encarar de maneira diversa e sistemática os dados históricos, é evitar cristalizar uma clivagem entre etnologia e história que, a meu ver, apenas obstaculiza o entendimento do horizonte político dos indígenas. Trata-se de evitar uma diferenciação entre aquilo que é "permanente" e o que é "acidental", entre o que é "estrutural" e o que é "variável", entre o "interno" e o "externo". Por meio de tais distinções essencialistas, são predefinidos os focos e as prioridades que orientam a atividade de pesquisa, e são sub-repticiamente introduzidas valorações às quais a própria investigação passa a estar subordinada. Ou seja, o enorme potencial crítico da etnografia (Fabian, 1983) e da pesquisa em arquivos coloniais (Said, 1990) torna-se refém de um projeto positivista de construção da antropologia como uma ciência exclusivamente da sincronia, narrativa que parte da clivagem entre um "nós" (o etnógrafo, o seu leitor, a comunidade científica) e o "outro" (os povos e grupos objetos de investigação), cujas concepções e práticas, batizadas de "nativas" e reificadas, passam a ser descritas e analisadas. 1 Ao invés, procuro dessubstanciar essa diferença, mostrando a pluralidade de formas que o indígena assumiu ao longo da história do Amazonas, e proponho pensar tal especificidade como algo essencialmente variável e dinâmico, resultado de um processo constitutivo de adaptação a distintos tipos de meio ambiente social e natural. Em minha pesquisa etnográfica, os Ticunas sempre aparecem referidos em situações históricas concretas e distintas, nas quais crenças, costumes e princípios organizativos existem interligados e articulados com determinações e projetos da sociedade nacional. * Doutor em Antropologia Social. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quinta da Boa Vista s/ número. São Cristóvão. Cep: 20940-040 -Rio de Janeiro -RJ -Brasil. jpo.antropologia@gmail.com 1 Para o desenvolvimento desse tema, vide "Pluralizando tradições etnográficas: sobre um certo mal estar na Antropologia" (Oliveira Filho, 2004).Via de regra, é muito secundária e limitada a função desempenhada pela investigação histórica em estudos etnológicos. Ao invés disso, procuro aproximar as duas disciplinas, mostrando a pluralidade de formas que o indígena assumiu ao longo da história do Amazonas. A singularidade do étnico deve aparecer, proponho, não como uma especificidade reificadora, mas como algo essencialmente variável e dinâmico, resultado de um processo constitutivo de adaptação face a distintos tipos de meio ambiente social e natural. Em minha pesquisa etnográfica com os Ticunas, sempre eles aparecem referidos a situações históricas concretas e distintas, nas quais crenças, costumes e princípios organizativos existem interligados e articulados com determinações e projetos da sociedade nacional. PALAVRAS-CHAVE: situação histórica, processos de territorialização, antropologia ...