O adoecimento psíquico relacionado ao trabalho é um fenômeno social que se tem mostrado cada vez mais importante. Estudos de diversos países do mundo sinalizam o crescimento do número de casos de pessoas que chegam ao limite da exaustão psíquica como consequência de vivências opressoras e hostis no ambiente de trabalho. Depressão, síndrome de burn-out, crises de intensa ansiedade e até suicídios acometem profissionais de empresas de setores diversos, indicando haver algo em comum nos ambientes organizacionais que suscita o desencadeamento das doenças. O objetivo desse estudo é identificar os nexos entre a lógica do capitalismo neoliberal, a racionalização instrumental que marca o modelo de gestão dominante nesse sistema econômico e o sofrimento psíquico no trabalho. Ele pretende responder ao seguinte problema de pesquisa: Como a racionalização instrumental, marca do modelo de gestão empresarial dominante no capitalismo neoliberal, consegue a adesão dos profissionais das organizações, levando-os a vivenciarem situações que resultam no sofrimento no trabalho? Para isso, foi empreendida uma investigação qualitativa, com base em histórias de vida, com profissionais da área de publicidade, considerando que este setor de serviços espelha a competição ferrenha que permeia o mundo empresarial da contemporaneidade. Havia fortes indícios de que o acirramento da concorrência mercantil a partir do final da década de 1990, e consequente mudança nos modelos de gestão, no Brasil, estaria relacionado com o agravamento do fenômeno do sofrimento no trabalho. Esta relação mostrou-se verdadeira entre os profissionais de publicidade. A intensificação do uso das novas tecnologias no trabalho, juntamente com a internacionalização das agências, aprofundou a opressão no ambiente organizacional. Diversos processos de elaboração e reflexão na criação em publicidade foram automatizados. Ao mesmo tempo, o surgimento das redes sociais abriu um segmento no setor ainda mais opressor e fatigante que a publicidade tradicional. Os achados desta pesquisa mostram que os modelos de gestão empresariais atuais não fazem uso de técnicas diretas de controle disciplinar. No entanto, utilizam táticas de controle da subjetividade que atraem e mantém os indivíduos em ambientes organizacionais cada vez mais estressantes. Sob uma ilusória autonomia, a responsabilidade pelo atingimento de objetivos organizacionais é transferida aos indivíduos, que confundem seus ideais pessoais com os das empresas. Esta mescla de ideais pessoais com os organizacionais leva os indivíduos a extrapolarem seus próprios limites de trabalho, tanto físicos como psíquicos. Os espaços para os diálogos entre colegas e superiores hierárquicos são cada vez mais restritos, reforçando o individualismo que permeia a sociedade. O ambiente organizacional é caracterizado por grande competitividade, como aquela que existe no mercado empresarial. Neste cenário, os profissionais são levados a racionalizar ao máximo seu desempenho, sem tempo para reflexão. Acreditamos que a racionalização instrumental própria do modelo de gestão dominante no capitalismo neoliberal impõe uma racionalização instrumental velada aos profissionais, resultando no sofrimento psíquico no trabalho. Na medida em que a sociedade atual reforça narrativas de racionalização instrumental, como o empresariamento de si mesmo e o individualismo, há uma convergência dos discursos e práticas de fora das empresas com os que são vivenciados no interior delas. Envolvidos numa rede invisível composta por narrativas irreais, os indivíduos podem não enxergar a realidade e acabarem sendo vítimas de traumas psíquicos em decorrência de quebra das expectativas que constroem junto à organização