Subvertendo a ordem: os indocumentados e as estratégias de acesso à saúde na fronteira de Ponta Porã/BR e Pedro Juan Caballero/PY

Abstract

O artigo discute, a partir das intersecções existentes entre os mecanismos de acesso à saúde – elaborados e acionados pelos indocumentados nas cidades de Pedro Juan Caballero (PY) e Ponta Porã (BR) –, categorias como segredo, confiança, família e amizade. A pesquisa que deu origem aos dados etnográficos aqui apresentados teve por objetivo descobrir e analisar como as pessoas indocumentadas, brasileiros e paraguaios, procediam – e procedem – para ter acesso aos serviços de saúde no Brasil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), visto que esse acesso só é franqueado diante da apresentação de documentação específica, tais como o Cartão do SUS e a Cédula de Identidade para Estrangeiros (RNE). Aos indocumentados resta apelar aos expedientes tidos pelas autoridades brasileiras como ilegais e, portanto, passíveis de sanções por parte do Estado. As estratégias dos indocumentados para acessar os serviços de saúde através do SUS envolvem complexas redes de solidariedade, nas quais se imiscuem e se confundem binômios como legal/ilegal e confiança/desconfiança.

“Favor a gente não cobra, né?”: Redes de solidariedade na fronteira de Ponta Porã (BR) e Pedro Juan Caballero (PY)

“…Isso porque toda a operação envolvida demanda esforços no sentido de legalizar práticas tidas por ilícitas no âmbito do atendimento de hospitais e outras unidades de saúde no Brasil e no Paraguai. A operacionalização é realizada na transformação de estratégias em táticas, em que as estratégias representam os esforços do Estado em legitimar suas ações, tornando-as parte do arsenal burocrático-administrativo das instituições; e as táticas representam os esforços envidados para burlar e subverter as estratégias em favor dos partícipes das redes de solidariedade Andrade, 2018;Nascimento, 2020).…”

“…Às vezes são utilizados prontuários de pessoas que moram distante e que por isso pouco recorrem às unidades de saúde. Então o atendimento é feito no nome dessa pessoa e as informações atinentes a sintomas e medicamentos passam a constar do banco de dados, esquema que envolve vários partícipes da rede, como auxiliares administrativos, enfermeiros e médicos (Nascimento, 2020).…”

“…Nessa dinâmica inscrevem-se também as cidades fronteiriças de Ponta Porã/BR e Pedro Juan Caballero/PY, aglomerados urbanos que guardam entre si semelhanças e dessemelhanças de todos os matizes, como atestam as etnografias de Banducci Júnior (2011), Banducci Júnior (2015, Banducci Júnior e Zotti Maas (2015), Nascimento (2014), Nascimento (2019), Nascimento e Andrade (2018), Nascimento (2020) e Soares (2019). A aproximação entre cidades e pessoas propicia a emergência de uma gama variada de conexões, disputas e trocas; em que o móvel das ações pode ser encontrado em categorias como economia, cultura e sociedade e seus muitos desdobramentos.…”

“…Nesse contexto, o cotidiano das negociações entre os indivíduos dos dois lados da fronteira é controlado pelos Estados por meio dos instrumentos institucionais jurídicoadministrativos que lhes são peculiares (legislação, policiamento, controle fiscal). Não obstante, muitas outras influências permeiam o tecido social nesses espaços limítrofes; a exemplo das múltiplas e multifacetadas convenções estabelecidas (à revelia dos Estados e, geralmente, com a conivência de seus agentes) pelos atores sociais locais (Banducci Júnior, 2016;Nascimento, 2020, Nascimento, 2019Nascimento e Andrade, 2018).…”