A pena traz em si uma consciente intenção de infligir dor que está presente no significado da palavra "penal" em várias línguas ocidentais (cf. Christie, 1988), incluindo a portuguesa. Daí que falar de vitimização no sistema prisional, que, a priori, cumpre plenamente esta finalidade, pode parecer um contrassenso. Não foi para isso mesmo que a pena foi criada, apesar dos argumentos civilizados de dissuasão e retribuição? Esta não esteve sempre associada a algum tipo de dor? (cf. Alvarez, 2008) Além do leitmotiv vingativo da pena, outro aspecto que poderia caracterizar este aparente contrassenso é o fato de o prisioneiro não ser uma vítima ideal (cf. Christie, 1986), isto é, não ser aquela pessoa que, quando agredida, recebe a imediata atenção do público, pois não aparenta ser fraca ou mesmo "respeitável". Nessa linha, vítimas ideais necessitam de ofensores ideais: maus, fortes, estranhos à sociedade (cf. Idem, ibidem), e os prisioneiros estão encapsulados nesse rótulo. Vê-los como vítimas requer, em algumas situações, um esforço cognitivo que nem sempre o público está disposto pelos sentimentos vingativos subjacentes à punição. Ademais, a essencialização desses papéis -de vítima e perpetrador -, pelo senso comum e pelo sistema de justiça criminal, impede que eles sejam vistos como o que realmente são: lugares sociais mutáveis e permutáveis.
Odilza Lines de Almeida e Eduardo Paes-MachadoProcessos sociais de vitimização prisional 258 Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 25, n. 1 Assim, não é fortuito que, embora a vitimização prisional figure na maioria dos estudos (cf. Clemmer, 1940;Sykes, 1958;Sparks, Bottoms e Hay, 1996;Chubaty, 2001;Cooley, 1993;Viggiani, 2007; Edgar, O'Donnel e Martin, 2003; Byrne, Hummer e Taxman, 2007; Wolff, Shi e Bachman, 2008; Wolff e Shi, 2011;Ireland, 2000Ireland, , 2002Paixão, 1987;Ramalho, 2002;Coelho, 2005;Alvarez, 2008), a discussão sistemática sobre o tema seja recente. Entendida como qualquer incidente, provocado por conflitos endêmicos no cárcere, no qual uma pessoa é ameaçada, abusada e agredida (cf. Edgar, 2005), esta vitimização se diferencia da de outros grupos populacionais 1 por três razões. Primeiramente, por sua aceitação, apesar das mudanças e variações internacionais e locais, por parte do público, das autoridades e dos próprios internos. Segundo, pela influência deletéria do confinamento e convívio compulsório de pessoas com trajetórias diversas em um ambiente regulado e de bens escassos (cf. Clemmer, 1940;Sykes, 1958 (2003) analisaram a violência prisional com base em seis dimensões conflituais: os interesses em jogo, a distância social entre os envolvidos (e a participação de terceiros interessados no episódio), os catalisadores (ou táticas) usados no conflito, a interpretação sobre os comportamentos dos adversários, os propósitos dados para o uso da força física e o contexto social em que são tomadas as decisões. Por sua vez, Byrne e Hummer (2007) apontaram uma correlação positiva entre densidade populacional e consequências adversas aos internos, inc...