RESUMOA serpente Naja annulifera, de importância médica humana e veterinária, é responsável por envenenamentos em países da África Subsaariana. Os acidentes causados por esta serpente são graves e muitas vezes fatais. No entanto, a composição e o modo de ação do seu veneno foram pouco explorados, o que contribui para a baixa eficácia das estratégias terapêuticas. Reações inflamatórias descontroladas são responsáveis por disfunções orgânicas em várias condições patológicas e considerando que por meio da inflamação, os venenos podem causar danos e até mesmo morte, o presente estudo teve como objetivo identificar toxinas e eventos inflamatórios envolvidos no envenenamento pela N. annulifera. Por meio de diferentes abordagens experimentais, foi mostrado que o veneno da N. annulifera apresenta composição proteica diversa, incluindo Cobra Venom Factor (CVF) e proteínas com resíduos de Manose e N-acetilglicosamina. Adicionalmente, foram identificadas hialuronidases, fosfolipases A2 (FLA2s), metaloproteases (SVMPs) e serinoproteases (SVSPs) capazes de degradar componentes da matriz extracelular, fosfolipídios de membrana e o fibrinogênio humano, bem como causar distúrbios hemostáticos. A inoculação subcutânea do veneno promoveu disfunções circulatórias, via degranulação de mastócitos, produção de LTB4 e prostanóides, bem como sinalização via PAFR, culminando em edema intenso. Em modelos de envenenamento experimental sistêmico moderado e severo, o veneno causou, com diferentes intensidades, leucocitose, aumento nas porcentagens de neutrófilos e monócitos, elevação nos níveis de IL-6, CCL2 e TNF-α. Além disso, os camundongos submetidos ao envenenamento experimental grave apresentaram lesão pulmonar hiperaguda (LPA). Empregando diferentes ensaios funcionais detectou-se que os eventos inflamatórios aqui descritos são mediados pelo sistema complemento, uma vez que o veneno causa ativação das vias alternativa, das lectinas e clássica do complemento humano, culminando na geração das anafilatoxinas C3a, C4a e C5a, bem como a formação de sTCC no soro. O veneno promoveu "tempestade" de mediadores inflamatórios no sangue humano caracterizada pela produção intensa de LTB4, PGE2, TXA2, CCL2, CCL5 e CXCL8, dependentes da ativação do complemento por SVMPs, bem como da ativação do eixo C5a-C5aR1. Em camundongos, o veneno foi capaz de promover complementopatia intensa, principalmente nos animais submetidos ao envenenamento experimental grave. A ativação do eixo C5a-C5aR1, no tecido subcutâneo dos animais injetados com veneno, disparou a produção de LTB4, PGE2 e TXA2, os quais foram responsáveis pelo edema. Adicionalmente, a geração de C5a induzida pelo veneno levou a produção da quimiocina CXCL1, juntamente com aumento nos níveis teciduais de MPO. Curiosamente, o aumento nos níveis sistêmicos de IL-6 e CCL2, bem como na porcentagem de neutrófilos induzidos pelo envenenamento experimental moderado demonstraram-se totalmente dependentes da ativação do C5aR1. A sinalização via C5aR1 nos animais submetidos ao envenenamento grave foi a respon...