Queimaduras com álcool em crianças: realidade brasileira e vulnerabilidades

Abstract

ResumoGrande número de casos de queimaduras com álcool entre adultos e crianças é frequentemente apontado nas casuísticas nacionais. A Resolução da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de 2002, que restringia a comercialização de álcool em grandes concentrações para uso doméstico, foi o reconhecimento oficial da existência deste tipo de queimadura como um problema social e de saúde pública. Dias antes de findar o prazo de adequação à medida, os maiores fabricantes do produto foram liberados de a acatarem. Passados alguns anos, buscou-se, na presente tese de doutorado, apreciar quesitos surgidos no debate de então, os quais ainda permanecem, dada sua relevância. Para melhor evidenciar os contornos e as implicações da questão abordada pela iniciativa governamental, este trabalho teve como objetivos: caracterizar a magnitude do problema das queimaduras no Brasil através da análise crítica das informações disponíveis e reconhecer os tipos mais frequentes da lesão; descrever a casuística de um centro brasileiro de referência no tratamento de queimaduras e situá-la em relação ao contexto nacional e internacional; caracterizar cenários e circunstâncias em que crianças foram vítimas de queimaduras com álcool, dentro de uma população delimitada; interpretar, instruídos pelo conceito de vulnerabilidade, as relações dinâmicas e as combinações existentes entre as condições individuais e sociais presentes nos contextos em que crianças sofrem queimaduras com álcool. A investigação empírica aliou ao método epidemiológico descritivo o enfoque qualitativo, apoiado em entrevistas em profundidade a partir de roteiro temático. Os dados permitiram sustentar que o Brasil exibe em seu perfil epidemiológico características que não são encontradas na literatura produzida em outras partes do mundo: alta proporção de queimaduras com álcool entre pacientes hospitalizados, sejam adultos ou crianças. Nas histórias relatadas pelos pais entrevistados foram reconhecidos elementos do universo simbólico das camadas populares, assim como dinâmicas sociais e culturais subjacentes aos comportamentos aparentemente "inadequados" (ou vulneráveis, pela perspectiva adotada na pesquisa) na utilização do álcool, que resultaram na queimadura de seus filhos. AbstractLarge numbers of burn cases with alcohol among adults and children are often pointed out in the national case series. A resolution from ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) in 2002, which restricted the sales of alcohol in high concentrations for home use, was the official recognition of the existence of this type of burn as a social and public health problem. Days before the expiration of the period of adjustment, the major product manufacturers were released from the heeding. After a few years, we sought to consider questions arose in the debate at that time in this thesis, questions which still remain due to their importance. To better highlight the contours and implications of the issue addressed by government initiative, this study aimed to: characterize the magnit...

Queimaduras autoprovocadas no Brasil: revisão sistemática e meta-análise

“…Nesse sentido, é de conhecimento geral que o Brasil tem investido em políticas públicas para substituir o álcool líquido pelo álcool em gel para uso generalizado nas últimas décadas. Apesar das normas regulamentadoras para o uso domiciliar de álcool publicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2002, que trata da proibição da comercialização do álcool 54ºGL (Gay-Lussac), o álcool "comum" é ainda facilmente adquirido pela população brasileira em geral 28,29 . Além disso, foi apenas em 2013, por meio de uma Resolução do Governo, que a fabricação e distribuição de álcool líquido 54ºGL foram proibidas em território nacional 29 .…”

“…4,28 . O uso do álcool coloidal é incentivado por apresentar menor volatilidade e menor potencial de combustão que o álcool líquido tradicional, sem perder a eficiência bactericida, segundo Arrunátegui e cols., atributo que torna mais seguro o uso desse tipo de álcool 28,29 . Indubitavelmente, a pandemia da COVID-19 e a popularização do uso do álcool como agente sanitizante (mesmo em casa) contribuíram para o aumento da incidência de queimaduras relacionadas ao álcool nos últimos anos 30 .…”

Self-inflicted burns in Brazil: systematic review and meta-analysis

“…Despite the regulatory norms for the home use of alcohol published by the National Health Surveillance Agency (Agência Nacional de Vigilância Sanitária -ANVISA) in 2002, which addresses the prohibition of the 54ºGL (Gay-Lussac) alcohol commercialization, the "common" alcohol is still easily acquired by the general Brazilian population 28,29 . Moreover, it was only in 2013, through a Government Resolution, that the manufacture and distribution of 54ºGL liquid alcohol were prohibited in the national territory 29 .…”

“…Culturally, most Brazilian homes still dispose of liquid alcohol nowadays for antiseptic use, house cleaning, as fuel in barbecues, to preserve several food items from spoiling faster for some families, as an ingredient in home remedies and informal treatments, which facilitates accidents, as reported by Queiroz et al 4,28 . Colloidal alcohol use is encouraged because it presents lower volatility and lower combustion potential than traditional liquid alcohol, without losing bactericidal efficiency, according to Arrunátegui et al, an attribute that makes the use of this type of alcohol safer 28,29 . Undoubtedly, the COVID-19 pandemic and the popularization of alcohol use as a sanitizer agent (even at home) contributed to increasing alcoholrelated burn incidence in the past few years 30 .…”