Algumas balizasEste artigo orienta-se por uma leitura da obra haroldiana concernente ao modo pelo qual a tensão utópica configura-se em poemas e transcriações produzidos pelo poeta, tomados também em relação aos estudos críticos que ele desenvolveu. 2 Assume-se aqui que a utopia, na obra haroldiana, apresenta duas vertentes que coexistem dialeticamente: a de vanguarda, fundamentalmente ligada ao concretismo, que arrefece, mas jamais desaparece; e outra, que se pode denominar de utopia fáustica, mais especificamente vinculada à leitura da tradição, verificada em sua obra e na de Augusto de Campos, bem como nas obras de vários outros poetas, e que estaria relacionada ao que Haroldo de Campos chamou de pós-utopia.Nesse espectro, e dada a vinculação de Haroldo de Campos à poesia concreta, sua produção recente tem sido lida como se uma passagem da utopia à pós-utopia desse sustentação a seus projetos mais recentes, sobretudo aqueles dos anos 1990 até a publicação de A máquina do mundo repensada em 2000. Entretanto, mais que pensar na substituição da utopia pela pós-utopia, sugerida pelo arrefecimento da primeira e pelo suposto desaparecimento da esperança como princípio norteador dos projetos poéticos -como fazem alguns críticos (Simon e Dantas, 1985;Franchetti, 2000;Pécora, 2005;Siscar, 2014;) -, vale a pena considerar a possibilidade de que utopia e pós-utopia caminham juntas e em tensão na obra de Haroldo de Campos. Sob essa perspectiva, não haveria um segmento de uma para outra, como se fossem fases da obra, mas uma 1 Doutora em estudos literários e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil. E-mail: dijunkes@gmail.com 2 Parte importante das reflexões aqui apresentadas vem sendo desenvolvida sob os auspícios da interlocução generosa, instigante e precisa estabelecida com o prof. Keneth David Jackson, da Universidade de Yale, a quem sou imensamente grata. Essa interlocução teve início em 2012, durante período em que fui Visiting Fellow, em Yale, com Bolsa de Pesquisa no Exterior/Fapesp. Agradeço, ainda, ao Centro de Referências Haroldo de Campos -Casa das Rosas Espaço de Poesia e Literatura/Poiésis, pela bolsa pesquisador recebida em 2015, que viabilizou um avanço significativo na compreensão da pós-utopia haroldiana, favorecido pela pesquisa no acervo do poeta.