Em 2007, durante a Segunda Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, 2 300 ativistas ouviram o ex-metalúrgico Lula -já então consagrado como o presidente de maior popularidade na história do Brasil -declarar que nenhum país poderia ser considerado "moderno e desenvolvido" se o crescimento econômico não beneficiasse "todos, sem exclusão e perpetuação de desigualdades históricas, sem preconceito de gênero, raça ou de qualquer outro". Seu discurso foi interrompido por uma explosão de aplausos e gritos de aprovação quando ele indicou que poderia apoiar uma mulher como sua sucessora (cf. Silva, 2007), o que se concretizou em 2010 com a eleição de Dilma Rousseff -uma guerrilheira transformada em tecnocrata que jamais havia concorrido a qualquer cargo eletivo.A eleição da primeira presidenta do Brasil dá continuidade à quebra de precedentes que caracterizou a ascensão do próprio Lula. Um improvável ocupante do palácio presidencial, ele frequentou a escola primária por apenas quatro anos e começou a trabalhar nas ruas com 11 anos de idade, e tanto as ocupações manuais a que se dedicou como a sua origem regional o "escurecem" consideravelmente num país com uma poderosa hierarquia de classe racializada.Seu segundo mandato foi corretamente avaliado como "muito mais confiante" pelo historiador marxista britânico Perry Anderson. Embora possa ser exagerado denominá-lo como uma "radicalização no governo"202 Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 24, n. 1 202 A "Era Lula", as eleições presidenciais de 2010 e os desafios do pós-neoliberalismo, pp. 201-228 (Anderson, 2011, p. 3), há poucas dúvidas de que ele produziu resultados mais coerentes com sua convicção manifesta de que não é possível falar em "desenvolvimento" ou "crescimento econômico" sem distribuição de renda (apud Baer e Love, 2009, p. 236). A confluência de tendências econômi-cas favoráveis e iniciativas governamentais dignas de crédito levou Lula a desfrutar de níveis de popularidade pessoal extraordinários e contínuos, inicialmente entre 60% e 70%, chegando a 80% às vésperas da vitória de Rousseff (cf. Silva et al. 2010, pp. 124-139). A declaração do candidato presidencial opositor, José Serra, de que "Lula está acima do bem e do mal" (Lacerda, 2010) e a afirmação tão simpática quanto jocosa do presidente norte-americano Barack Obama um ano antes ("Esse é o cara! [...] É o político mais popular do mundo" [Tapper, 2009]) ecoam as conclusões de Anderson: "Por qualquer critério, Luiz Inácio da Silva é o político mais bem-sucedido do seu tempo" (2009, p. 3). A oposição temeu que tamanha popularidade levasse o presidente a seguir o exemplo de seu antecessor, patrocinando a possibilidade de uma nova reeleição, mas na verdade ela viabilizou a jogada mais arriscada (e mais democrática) de eleger uma sucessora desconhecida do eleitorado.Vitorioso em 2002, parecia pouco provável que o ex-líder grevista fizesse um bom trabalho dirigindo a décima maior economia do mundo 1 , já que sua única experiência executiva anterior tinha sido cinco anos à fren...