O Experimento como uma Rede Estabilizada: associações, negociações e algumas implicações na Educação em Ciências

Abstract

O presente trabalho tem por objetivo problematizar um tema tradicional na pesquisa em Educação em Ciências: as atividades experimentais. Coloca-se em questão a recorrente utilização de epistemologias racionalistas, que privilegiam uma relação hierarquizada entre a teoria e o experimento e esquecem-se de que a experimentação é uma atividade relacionada a intervenção e manipulação de realidades específicas e artificialmente construídas. Defende-se aqui uma abordagem que enfoque as controvérsias emergentes no trato com o concreto e as diferentes negociações impostas pelo processo de criação e estabilização de fenômenos experimentais. Utilizando-se os conceitos da Teoria Ator-Rede, essa posição é discutida a partir da análise qualitativa de um estudo de caso: a construção de um aparato experimental didático por um licenciando em Física, com a finalidade de compor o seu Trabalho de Conclusão de Curso. Os dados analisados foram obtidos a partir de registros escritos realizados pelo próprio licenciando, fotografias da construção do aparato experimental e por uma entrevista estruturada realizada com ele ao final de todo o processo. A análise destacou as situações controversas provocadas pelo processo de construção do aparato experimental e as negociações realizadas, evidenciando que este processo também consiste na criação e estabilização de fenômenos e de atores, cujas identidades são sempre (re)definidas contingencialmente. Desse modo, é evidenciado que, tanto na ciência quanto no ensino de ciências, criar e manter um fenômeno estável é torná-lo mais social e coletivo ainda. Por fim, são discutidas algumas implicações importantes para a Educação em Ciências.

Experimentação, modelização e testes de hipóteses em Física: da construção às aplicações de um experimento com imagens de mecânica em um curso de licenciatura

“…O emprego sistemático de atividades experimentais remonta fortemente à tradição de projetos de ensino voltados para a renovação curricular das décadas de 1960e 1970 nos EUA e o PEF (Projeto de Ensino de Física) no Brasil. E a partir da década de 1980, estabelece-se no Brasil um crescente interesse no entorno da definição de diferentes concepções de experimentação, o que culminou em categorias para caracterizar os diversos usos dos laboratório e em estudos mais consistentes acerca dos trabalhos práticos LUNETTA, 1982;BLOSSER, 1988;WESENDONK;TERRAZZAN, 2016;PARREIRA;DICKMAN, 2020;RIBEIRO et al, 2021). Hodson (1994), numa tentativa de elucidar a importância das práticas experimentais, propôs que à educação científica podem ser atribuídas três vertentes principais: a) a aprendizagem da ciência (saber ciência), associada ao desenvolvimento de conhecimentos teóricos e conceituais; b) a aprendizagem sobre a natureza da ciência (saber sobre a ciência), no sentido da compreensão dos seus contextos de descoberta (formulação) e justificação (validação) e da tomada de consciência acerca das interações complexas entre a ciência e a sociedade; c) a prática da ciência (saber fazer ciência), relativa aos conhecimentos técnicos sobre a investigação científica e a resolução de problemas.…”

“…Nas últimas décadas, uma nova geração de historiadores, filósofos e sociólogos da ciência iniciaram discussões acerca do papel dos experimentos na atividade científica. Dentre várias contribuições, podemos exemplificar: (i) a ideia de que a experimentação não serve apenas para corroborar ou falsear teorias, mas possui um papel independente dela, ou ainda, um papel de mesma magnitude; o que rompe com a tradição positivista que condicionava a relevância dos experimentos às teorias (RAICIK; PEDUZZI; ANGOTTI, 2018) e (ii) a noção de que a construção do conhecimento científico é viva, disputada, controversa e negociada, de modo que a comunidade científica não apela para a consideração de pretensos princípios teóricos absolutos e racionais para estabelecer seus julgamentos e conclusões (RIBEIRO et al, 2021).…”

“…Apesar dessas contribuições, como a aproximação da história e da filosofia ao ensino só começa mais fortemente no final do século XX, a tradição didática ainda carrega resquícios de ideais superados, por exemplo a suposição de um método científico universal, a visão de neutralidade dos experimentos e das observações e a concepção empírico-indutivista acerca da construção do conhecimento científico (RAICIK; PEDUZZI; ANGOTTI, 2018). Por esse motivo, a comunidade de pesquisa em ensino de ciências tem sinalizado a necessidade de uma experimentação planejada e teoricamente sustentada a partir de aportes pedagógicos e metacientíficos, que permitam investigar suas funções, suas relações com a teoria e a amplitude de seus métodos (HOFSTEIN; LUNETTA, 1982LUNETTA, , 2004WESENDONK;TERRAZZAN, 2016;RAICIK;PEDUZZI;ANGOTTI, 2018;FERREIRA;CORRÊA;SILVA, 2019;PARREIRA;DICKMAN, 2020;COSTA et al, 2021;DURÁN et al, 2021;RIBEIRO et al, 2021).…”

“…Esse posicionamento inclusive é corroborado por abordagens mais recentes acerca da experimentação no ensino. Por exemplo, Ribeiro et al (2021) defendem que a construção do conhecimento científico é viva, disputada, controversa e negociada, na medida em que a comunidade científica não possui uma matriz de julgamento absoluta a partir da qual as proposições científicas seriam avaliadas. Isso reforça, sobretudo, o posicionamento naturalista do modelo cognitivo de ciência.…”