IntroduçãoEm 1854, Dona Maria Clara do Nascimento, proprietária da Fazenda Santa Cruz -uma propriedade destinada à criação e invernagem de gado vacum e muares localizada na região dos Campos Gerais, município de Ponta Grossa, Estado do Paraná -transformou os escravos e ex-escravos que ali viviam em herdeiros da metade de suas terras e dos animais e instrumentos de trabalho da Fazenda. Não sendo o único senhor de terras a agir desse modo, o caso de Dona Maria Clara do Nascimento repõe algumas questões sobre o Brasil escravista de meados do século XIX. De um lado, que princípios e valores orientavam tais atitudes entre os fazendeiros e proprietários de escravos? O que os levava a transformar em herdeiros seus escravos e ex-escravos? Estamos em 1854, auge da pecuária no Paraná, o que reduz qualquer possibilidade de explicação de cunho econômico 1 . Por outro lado, se a própria literatura sobre escravidão no Brasil tem mostrado que os cativos influíam nas decisões que os envolviam, como se deu esse processo no meio rural, no interior mesmo do regime das propriedades rurais no Paraná?Este artigo trata da organização social dos escravos e libertos da Fazenda Santa Cruz, procurando responder à questão de como os escravos e exescravos que ali viviam tomaram parte na decisão que os transformou em