Moderna e virtuosa: gênero e nação na Turquia contemporânea*

Abstract

Resumo O artigo propõe uma discussão sobre as imbricações entre gênero e nação na Turquia, analisando como diferentes projetos de nação mobilizam questões de gênero e produzem discursos acerca de feminilidades e masculinidades que influenciam políticas de gênero no país. Argumentamos que dicotomias rígidas entre projetos ditos ‘progressistas’ ou ‘atrasados’ não se sustentam, dado que as premissas de que corpos e comportamentos de mulheres devem ser regulados e que a restrição de liberdades e direitos pode ser justificada em nome da (des)igualdade de gênero e da (ausência ou excesso de) liberdade sexual são amplamente compartilhadas no país.

Família Forte, Nação Soberana: Família E a Representação De Identidade Nacional Na Política Externa Do Governo Bolsonaro

“…Mais ainda, apesar existirem papéis e identidades impostos, sobretudo a partir de o objetivo nacionalista de manter a homogenidade e consequente coesão de uma comunidade política, devemos levar em conta que, ao mesmo tempo em que estas categorias atuam sobre os indivíduos, quando performadas pelos mesmos existe sempre a possibilidade de desestabilização, resistência e desvios do arquétipo ideal (Butler, 2018(Butler, [1990). Nesse sentido, é necessário sempre pensar gênero e Estadonação, como categorias complexas, polissémicas, contraditórias e instáveis, mas que são utilizadas em projetos normativos que necessariamente apagam estas complexificações a fim da imposição de categorias uniformizantes que garantam a coesão e perpetuação do sistema masculinista (Sandrin;Goldfeld, 2021, p.8).…”

“…A literatura que passou a pensar as relações entre nacionalidade e gênero inicialmente focou no uso das mulheres como símbolo da nação, buscando identificar os principais e diferentes papéis desempenhados por mulheres nos projetos de construção nacional 14 (Sandrin;Goldfeld, 2021). As feministas apontam que mesmo o homem e seu papel na construção da nação serem privilegiados, justamente pelo projeto nacional se dar em e através de uma lógica masculinista de sociabilização (Walby, 2006, p.121), e a figura e identidade do guerreiro justo, do pai-trabalhador, do provedor-honrado figurarem como protagonistas nos mitos e histórias sobre a construção do Estado-nação ocidental, as mulheres também estão presentes nesses discursos.…”

“…A ideia de nação é importante porque, apesar de não contar com nenhuma essência ou status ontológico que lhe dê sustentação, ser um produto histórico, imaginado, produzido e performado (Sandrin;Goldfeld, 2021, p.4), ela [...] provê explicações para eventos contingentes e aleatórios; que estabelece uma linha de continuidade entre um passado imemorial, o presente e o futuro; e que promete estabilidade e fixidez às identidades, escondendo a contingência e arbitrariedade que marcam nossa existência e ausência de fundamentos de nossas identidades individuais e coletivas" (Sandrin;Goldfeld, 2021, p.5).…”

“…Assim, todas as práticas, discursivas ou materiais, que se valem de símbolos, memórias, mitos e hereditariedade, envolvidas na criação de uma nação, alimentam construções limitadas, persistentes e poderosas do Eu e do Outro e, consequentemente, da identidade do grupo nacional (Andrews;Monroe;2015, p.144). Essas construções, portanto, são invocadas constantemente a fim de perpetuar uma nação pois ao reforçarem uma concepção coesa do Eu e do coletivo (Andrews;Monroe, 2015) elas despertam e mobilizam emoções coletivas e individuais (Sandrin;Goldfeld, 2021) que podem ser orientadas a legitimar, aceitar e, sobretudo, naturalizar os projetos políticos do presente, que privilegiam alguns em detrimento de muitos outros (Walby, 2006).…”

“…Essa posição contraditória sustenta práticas institucionais, políticas e culturais para o "bem das pessoas" e permite uma identidade universalizada através de "[...] uma metanarrativa epistemológica, que por sua vez, nega a marginalização da diferença enquanto diferença e o sofrimento que a construção acarreta (Derrida 1993, 16)" Moallen, 2001Moallen, [1999, p.2, tradução nossa). É nesse sentido que é possível entender as maneiras como as mulheres (e outros corpos dissidentes) pertencem à uma nação e se engajam com projetos nacionais enquanto essa mesma nação é genderizada de forma ambígua, sendo representada às vezes como uma mulher que precisa ser protegida e às vezes como uma fraternidade exclusivista, masculina e heterossexual, disponível apenas para aqueles que se conformam à esta concepção dominante (Sandrin;Goldfeld, 2021, p.8).…”