O PODER AO CENTRO -UM MODO DE VER MOÇAMBICANO um dos sócios fundadores da produtora Ébano, da qual se desligou posteriormente, para fundar a Promarte. É um dos autores mais profícuos e também mais premiados do cinema feito em Moçambique, e revela durante a conversa que aqui publicamos algumas das suas ambições e questões artísticas, a par de uma análise (auto)crítica do seu percurso e da circulação de poder no meio cinematográfico.
Ana Cristina Pereira (ACP) -Para começar no começo, sei que nasceste na Beira, mas estudaste cinema em Portugal… Sol de Carvalho (SC) -Sim… sim… Estudei com o primeiro grupo que abriu o conservatório [Escola Superior de Teatro e Cinema]. Portanto, na altura, com o Seixas Santos, com o Mário Barradas que era o diretor geral… Os meus professores eram o Cunha Telles, o Seixas Santos, o Fernando Lopes, o Paulo Rocha, essa geração… ACP -Sim… Foste aluno do poeta, do António Reis?SC -Não me lembro de nenhum poeta, nosso professor… Lembrome do Eduardo Prado Coelho, do Alexandre Gonçalves, lembro-me do Rui, que era professor de imagem… Eu não me lembro porque no 2.º ano -entretanto, foi o 25 de Abril a malta andou ali… na política -, eu já não entrei no 2.º ano, fui lá ao conservatório 2 ou 3 dias, mas fui logo para Moçambique.
ACP -Foste juntar-te àFrelimo… SC -Mais ou menos… [sorriso, baixa ligeiramente o tom de voz]. ACP -Então? SC -Cada pessoa tem o direito a cometer os seus erros… [ri]. ACP -Não sei porque é que é erro. Não percebo bem porque é que dizes que é erro… 149 ABRIR OS GOMOS DO TEMPOSC -Bom… Na verdade, pensando bem, também acho que não. Na verdade, apesar das desilusões posteriores, foram tempos incríveis. Estamos a fazer um documentário, que é parte do levantamento desse período, a chamada "geração escondida"… Eu pertenço a essa geração escondida… ACP -Escondida?… SC -Porque em Moçambique fez-se o 8 de março 1 … E ficou a ideia de que o pessoal da geração do 8 de março é que foi a geração sacrificada e não é verdade. Porque até ao 8 de março, que foi em 77, aqueles 2 anos, houve muita gente que desistiu de estudar, que… teve que tomar decisões muito fortes, e, hoje em dia, quando eu estou a fazer este processo [entrevistas para documentário], vamos percebendo que, naquele período, houve uma mudança muito grande, em que malta muito jovem, com 20 anos, foi chamada a responsabilidades para as quais não tinha experiência, não tinha capacidade… Mas que deu o seu melhor… E essa geração não foi muito reconhecida, até hoje. Talvez porque era muito mulata e branca, se calhar um bocado isso…
ACP -E depois foste para a revista Tempo?SC -Eu fiquei na Rádio Moçambique até 79; o meu é um dos exemplos: eu fiquei chefe da redação nacional da Rádio Moçambique, imagina… com 20 anos. Eu determinava -entre aspas, porque havia ali algum um controle -, mas eu determinava, o que é que saía e o que é que não saía nos noticiários, estás a ver? E tinha 20 anos, não tinha a experiência, nem a capacidade para fazer aquilo, mas fiz! 1 Em resultado da saída de aproximadamente 200.000 portugueses do país e ...