Este texto propõe relacionar a história da língua e do conhecimento linguístico à história da cidade, através da caracterização de tecnologias como a escrita, a gramática e o dicionário enquanto tecnologias urbanas. Procuramos indicar, de um lado, a coincidência histórica que é possível constatar entre os processos de gramatização e de urbanização, através de um breve percurso por momentos chaves da história de Ocidente: a invenção da escrita, o surgimento da gramática greco-latina na Antiguidade, sua transferência como modelo de descrição para todas as línguas do mundo a partir do Renascimento europeu e a gramatização brasileira do português no século XIX. De outro lado, queremos mostrar que a elaboração e a transferência dessas tecnologias são indissociáveis de um imaginário da escrita e do urbano, inscrito numa memória da permanência — dos sujeitos e das línguas —, que incide nas relações políticas estabelecidas tanto entre as sociedades como no interior das mesmas. A partir da leitura de alguns documentos dos jesuítas, analisaremos de que modo esse imaginário agiu na colonização no Brasil, orientando o trabalho de instrumentação das línguas indígenas e dos novos espaços conquistados pelos portugueses e conformando relações de força particulares com seus habitantes. Assinalaremos, finalmente, como essas relações se projetaram no tempo na nova sociedade constituída, já no contexto da gramatização do português vinculada à consolidação do Estado nacional independente, em que esse imaginário que estruturara num primeiro momento a relação entre europeus e índios passou a afetar a relação entre brasileiros e brasileiros, significados de acordo com sua inscrição no espaço (urbano/não urbano) e o domínio dessas tecnologias (letrados/iletrados).