A formação do cidadão, um processo sociohistórico de mutação da universidade à escola básica RESUMO: Este artigo analisa o processo sociohistórico de passagem da educação para a cidadania da universidade para a escola básica, centrando-se no contexto norte-americano e apoiando-se em exemplos do sistema educacional quebequense. Ele trata da mutação que se produziu sob o efeito conjugado da fragilização dos Estados-nações e do processo de globalização que se impõe às nossas sociedades atuais. Enquanto que a função universitária, no momento da recriação da instituição universitária moderna no século XVIII, estava centrada no desenvolvimento da cultura e da cidadania num quadro nacional, sua reorientação em profundidade no final do século XIX, nos Estados Unidos da América, fez dela uma universidade pragmática, no seio da qual as orientações instrumentais e econômicas ocuparam um lugar privilegiado. Enfim, ao longo do século XX, sob pressão do discurso ideológico neoliberal e numa perspectiva de globalização visando a mercantilização do saber e a adaptação do sistema de formação às exigências da economia de mercado, a universidade e o conjunto do sistema escolar viram-se progressivamente forçados a adotar uma perspectiva empresarial, como indústria de serviço. Assim, as finalidades de formação cultural e cidadã, que lhes eram próprias na origem, foram reenviadas à escola básica, mas esvaziando a educação para a cidadania de suas dimensões jurídicas e políticas que são seus elementos constitutivos fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: Perspectiva sociohistórica. Sistema escolar quebequense. Reformas dos sistemas escolares. Currículo do ensino primário. Educação para a cidadania. Cidadania. Concepções de universidade. Mundialização. Globalização.
IntroduçãoEm face das profundas transformações que marcam atualmente as sociedades ocidentais, seus sistemas de ensino tornaram-se nesses últimos anos objeto de profundas reformas. Essas reformas possuem como principal razão de ser a modificação substancial dos modos de formação numa perspectiva de profissionalização e dos currículos escolares com a esperança de suscitar práticas profundamente renovadas por parte dos professores. Estas práticas deveriam favorecer aprendizagens escolares em conformidade com as expectativas e necessidades sociais (ORGANISATION 1995) 2 . Assim, do Chile ao Canadá e da Bélgica francófona à Tunísia, as reformas realizadas evocam os mesmos fundamentos epistemológicos, cognitivos, psicológicos e socio- (1)CRCIE = Chaire de pesquisa do Canadá sobre intervenção educativa; CRIE = Centro de pesquisa sobre intervenção educativa; CRIFPE = Centro de pesquisa interuniversitária de formação e profissão docente.(2) Vários outros organismos se manifestaram em prol da transformação dos conteúdos e dos modos de ensino. A título de exemplo, fizemos um levantamento de mais de 30 relatórios produzidos nos Estados Uni-R. Faced, Salvador, n.11, p.35-81, jan/jun. 2 0 07 3 6 lógicos, dentre os quais a perspectiva (socio) construtivista, a centralização no educando como sujeito...