Kunhangue Mba'e Kua: As trajetórias das mulheres Cacicas Guarani Mbya de Santa Catarina

Abstract

Este trabalho tem como objetivo compreender quais os elementos permitiram que recentemente entre os Guarani Mbyá emergissem lideranças políticas femininas, as chamadas cacicas. O estudo reflete sobre as implicações da atuação destas mulheres no cotidiano das comunidades nas quais estão inseridas, atentando principalmente ao contexto de lutas pela regulamentação de terras indígenas em Santa Catarina. A pesquisa foi feita através do acompanhamento de duas cacicas, Arminda Ribeiro (Para Poty) e Eunice Antunes (Kerexu Yxapyry), residentes respectivamente nas aldeias da Conquista (Jatay Ta), localizada em Balneário Barra do Sul, e do Morro dos Cavalos (Itaty), localizada em Palhoça, ambos municípios do litoral de Santa Catarina. Através das trajetórias, depoimentos e entrevistas com as cacicas e outros/as indígenas Guarani Mbyá, foi possível traçar um perfil destas lideranças e elucidar quais fatores possibilitaram o aparecimento dessas figuras como representantes políticas, assim como suas atuações e desafios no cenário político constituído pelas aldeias Guarani Mbyá e sociedade envolvente.

Participação Política De Mulheres Indígenas: Apontamentos Bibliográficos

“…No que tange as perspectivas teóricas, Rebelo (2015) faz apontamentos precisos sobre quais teorias dialogam com sua pesquisa. Sinaliza que os estudos de mulheres, muitas vezes, trazem uma abordagem etnocêntrica e universalista, da qual não fazem parte as mulheres indígenas.…”

“…Os indígenas em sua articulação de resistência procuram reinstalar práticas culturais tradicionais paralelamente a aspectos das práticas modernas (BARCELLOS, 2008). Rebelo (2015) identificou na sua pesquisa. A autora nos apresenta uma ressignificação da própria cosmologia por parte de uma das cacicas sobre os mitos do seu povo.…”

“…Assim, Rebelo (2015) registra que, para a cacica, de acordo com os mitos, as mulheres são dignas de grande confiança e poder e que a questão da mulher não liderar, isso veio mais do homem mesmo, como uma espécie de interpretação dos mitos feita pelos homens. Assim, para a cacica, ao se tornar liderança, ela não está transgredindo uma regra divina, mas exercendo seu papel de origem e auxiliando a comunidade.…”

“…Sebastião (2018) ressalta as violências contra a mulher indígena por meio de estabelecimento de uma conjuntura dentro de um panorama histórico da figura feminina, sobretudo, a da mulher indígena e seus marcadores de opressão. Por sua vez, a questão da violência aparece no texto de Rebelo (2015), enquanto processo colonial que produziu nas mulheres, por exemplo, um medo de sofrerem abusos, e por conta disso elas acabaram por ficar cada vez mais nos espaços internos da aldeia, distanciando-se assim dos cargos políticos, como o de cacique/cacica (REBELO, 2015).…”

\"Nós vemos longe\": narrativas e atuações de mulheres mbya em São Paulo

“…Neste mesmo sentido, de acordo com as lembranças e entendimentos de Adão Antunes, entrevistado pela antropóloga Francine Pereira Rebelo na TI Morro dos Cavalos-SC, as mulheres historicamente não se aproximam do aprendizado do português em função da situação de insegurança gerada pelo contato conflituoso com os homens não indígenas, pois isso resultou muitas vezes em abusos e violências contra elas. Esta situação, segundo ele, seria determinante para o afastamento das mulheres deste âmbito externo 167 . Nota-se, portanto, que, de acordo com os relatos de Kátia, de Jerá e de Adão, nas suas memórias estão presentes as figuras masculinas na liderança.…”