Este trabalho investiga a ordem doméstica dos engenhos de açúcar da Primeira República brasileira. Romances de José Lins do Rego são a principal fonte de época utilizada, embora sejam cotejados, entre outros, com iconografias, doutrinas jurídicas, tratados sociais e políticos, legislações e obras de oeconomia. Duas razões metodológicas influenciaram a decisão de buscar em textos literários uma história jurídica da ordem doméstica dos engenhos. Primeiramente, a expropriação de poderes autônomos operacionalizada pelo legalismo moderno cassou a legitimidade de experiências jurídicas não estatais. Por isso, quando fontes estatais ou doutrinárias retratavam a ordem doméstica dos engenhos, normalmente, partiam do pressuposto de sua ilegalidade, o que omitia ou obscurecia muitas de suas características. Além disso, a literatura de Rego, que viveu no engenho de seu avô, possui uma característica memorialística marcante, capaz de revelar especificidades de um ordenamento jurídico bastante intimista. Conclui-se que os engenhos, além de empreendimentos mercantis, eram locais em que a vida social de centenas ou, às vezes, milhares de pessoas, se passava cotidianamente. Regras costumeiras regulamentavam a convivência de maneira relativamente autônoma em relação à ordem jurídica estatal. Ao senhor do engenho, uma espécie de pater familias daquela comunidade, incumbia a tarefa de administrar a justiça entre os moradores, impedindo a vingança privada dentro das terras do engenho. Embora, frequentemente, o fizesse de modo arbitrário, o senhor se vinculava aos costumes domésticos, que limitavam o seu mandonismo, atribuíam protagonismo aos moradores na criação do direito e resguardavam valores importantes para a comunidade.
PALAVRAS-CHAVE: Pluralismo jurídico; Ordem doméstica; Patriarcalismo; Literatura regionalista; História do direito.