ResumoA porfiria cutânea tarda resulta de uma deficiência enzimática na biossín-tese do heme, manifesta-se por alterações cutâneas e está associada a disfunção hepática, podendo ser desencadeada por sobrecarga de ferro. Os autores apresentam o caso de uma doente de 40 anos com porfiria cutânea tarda associada a hemocromatose. Palavras chave. porfiria cutánea tarda, sobrecarga de hierro, hemocromatosis Abstract Porphyria cutanea tarda results from an enzimatic deficiency in the heme biosynthesis, that may be triggered by iron overload, and is manifested by cutaneous lesions and associated with hepatic disfunction. The authors present a case of a 40-year-old woman with Porphyria cutanea tarda associated with hemochromatosis. Key words: porphyria cutanea tarda, iron overload, hemochromatosis
IntroduçãoA porfiria cutânea tarda (PCT) é o tipo mais frequente de porfiria e resulta de uma deficiência adquirida na actividade enzimática da uroporfirinogénio-descarboxilase (UROD) na biossíntese do heme. Clinicamente manifesta-se por alterações cutâneas como fotossensibilidade, fragilidade cutânea, bolhas, erosões, lesões cicatriciais, mília e hiperpigmentação da pele em áreas expostas ao sol, particularmente face, antebraços, dorso das mãos e pés 1,2 . O diagnóstico é confirmado pelo doseamento das porfirinas e seus percursores nas fezes e urina 1,2 . A forma mais comum, tipo I ou esporádica, varia de 72 a 84% dos casos; cerca de 20% dos doentes com PCT são heterozigotas para mutações hereditárias da UROD, apresentando formas familiares da doença (Tipo II e Tipo III) com transmissão autossómica dominante de baixa penetrância 1,2 . Tanto na forma esporádica como nas formas familiares a doença manifesta-se quando a UROD hepática é inibida, e a sua actividade reduzida a menos de 20% do normal 2 . Há formação nas células hepáticas de um inibidor competitivo desta enzima no fígado, por um mecanismo ferro-dependente 1 . Por esta razão é considerada uma doença ferro-dependente, e pelo menos 80% dos doentes apresenta siderose hepática, embora menos de 20% tenha o diagnóstico concomitante de hemocromatose 3 .
Caso clínicoApresentam os autores o caso de uma doente de 40 anos, sem antecedentes patológicos conhecidos, sem antecedentes familiares relevantes, sem uso de medicação crónica e sem hábitos etílicos, que recorre ao Serviço de Urgência por quadro de lesões cutâneas bolhosas e pruriginosas no dorso das mãos e antebraços (Figura 1), associadas a hiperpigmentação da face (Figura 2), com evolução de 6 meses. Ao exame objectivo não apresentava outras alterações. Analiticamente de destacar: velocidade de sedimentação na 1ª hora normal, função renal e ionograma normais, proteinograma electroforético sem alterações, transaminases aumentadas duas A TC abdominal mostrava fígado de morfologia e dimensões normais, sem alterações da textura ou lesões nodulares. Realizou biópsia hepática cuja histologia revelou aspectos morfológicos sugestivos de hemocromatose (fibrose portal de intensidade ligeira; necrose marginal de tipo "piece-meal necr...