Este artigo delineia dois aspectos da noção de “enquadramento”, tal como foi originalmente criada pelo sociólogo canadense Erving Goffman, em seu livro Os quadros da experiência social e desenvolvida pela filósofa norte-americana Judith Butler em Vida Precária e Quadros de Guerra. Argumenta-se que a leitura feita por Butler reelabora a ideia original ao acrescentar a noção de que os frames estão diretamente relacionados ao exercício moral do poder, fundamentados na definição arbitrária do que deve ser conhecido por uma audiência como uma forma de vida reconhecível. Butler também abre espaço para o questionamento dos quadros estabelecidos, que não apenas são desafiados por novos esquemas de legibilidade, mas também deixam entrever as operações de violência que os sustenta. A partir de uma leitura que tenta aproximar os dois autores, argumentamos que é possível evidenciar uma preocupação comum com a maneira de construir quadros de sentido que informam e orientam a produção de respostas morais no âmbito interpessoal e no âmbito da elaboração de narrativas que circulam na mídia.A maneira como Butler analisa narrativas e imagens escolhidas pelos veículos jornalísticos para organizar os acontecimentos revela, em diálogo com Goffman, que o modo como é construído o aparecimento diante do outro (seja ele face a face ou mediado pela cena de visibilidade pública) interfere nas estratégicas de organização social e na própria sobrevivência de sujeitos e grupos. A prática jornalística contribui para a formulação de normas morais injustas, mas pode também atuar em prol da elaboração de enquadramentos que nos tornem sensíveis ao apelo ético da alteridade. Butler (2015) e Goffman (2002) apontam em seus trabalhos que a forma como vamos apreender e responder a esse apelo depende de como ele é formulado e enquadrado, de quais afetos são mobilizados na produção e na receptividade de quadros de sentido e de como os interlocutores aprendem a criar táticas de enfrentamento aos constrangimentos de poder. E, como evidencia Goffman, enquadramentos estão pautados por afetos, crenças e valores compartilhados em nossas experiências situadas, que sempre se organizam entrelaçadas às narrativas midiáticas e às narrativas identitárias que apreendemos criticamente. Assim, este artigo propõe que a noção de frame de Butler ressalta, em diálogo com Goffman, as dimensões éticas e estéticas que podem contribuir para a elaboração de narrativas jornalísticas comprometidas com a valorização e reconhecimento das vidas.