Elaboração (Est)ética De Fãs: Poaching Como Prática De Verdadeiro Amor

Abstract

RESUMO O presente estudo toma a subcultura de fãs como seio de um consumidor produtivo e assume o consumo como prática subjetivadora, baseado na teoria foucaultiana que define a subjetividade como resultado de uma elaboração ética e estética. Com isso, o objetivo do estudo é analisar como fãs elaboram uma (est)ética fânica por meio de posicionamentos de si em relação a produtos de mídia em suas interações. Para tal, analisamos a principal comunidade de fãs da série de TV Game of Thrones (GoT), que se tornou um grande fenômeno de mídia. A genealogia do sujeito foi método adotado para a análise dos comentários de fãs sobre a saga. Os resultados apontam duas formas-sujeito: curtidores e guardiões. Elas se sustentam em estilizações morais que modulam a relação dos fãs com o produto de mídia por meio de uma única ética, a qual interpretamos como poaching, uma “caça” por diferentes prazeres advindos do consumo. Propomos que esse processo revele o que Foucault denomina verdadeiro amor, uma completude de si na relação com o outro.

Fã cínico: falando a verdade descaradamente

“…A forma como os fãs convergem e debatem sobre sua condição de fã revela a ética social na qual eles se reconhecem como sujeitos por meio de suas relações com seus pares, com os produtos midiáticos e com o fandom do qual fazem parte (Fathallah, 2014;Jansen, 2020). Segundo Camargo et al (2021), a intensidade da relação de consumo dos fãs funciona como um guia de comportamento e posicionamento político, uma vez que os fãs incorporam para si uma estética que representa seu apoio ou rejeição ao conteúdo da mídia produtos que consomem.…”

“…Tal escolha decorre da proposta de Foucault (2001) de que sua metodologia é indissociável dos conceitos investigados ao longo de sua trajetória filosófica. Além disso, está em consonância com estudos recentes de marketing que exploram como as práticas discursivas, não discursivas e de si são produzidas e exercidas por meio das relações de mercado, mas que não se limitam a esse contexto (Camargo et al, 2021;Denegri-Knott et al, 2018;Tadajewski & Jones, 2021).…”

“…A justificativa da pesquisa endossa a validade de investigar a relação entre projetos de identidade do consumidor para produzir subjetividades além do escopo do mercado (Earley, 2013;Mikkonen et al, 2011). É um esforço para aplicar as discussões da abordagem cultural às pesquisas de consumo sobre o funcionamento das relações de mercado para apoiar a elaboração, manutenção e exercício da subjetivação (Camargo et al, 2021;Giesler & Veresiu, 2014;Lehtokunnas et. al., 2022;Zwick & Dholakia, 2004).…”

Estéticas da existência indie: articulações em torno da concepção do mainstream

“…Assim, essa estética é possível de ser praticada quando os fãs buscam cada vez mais se sentirem próximos do objeto midiático que consomem (Hills, 2013), o que pode indicar como uma estética assumida e exercida pelos fãs pode refletir ações de lealdade de consumo (Obiegbu, Larsen, Ellis & O'Reilly, 2019). Todavia, se tratando de uma estética da existência, trata-se mais do que uma manifestação de lealdade ao produto midiático consumido ou ao fandom que fazem parte: diz respeito a um exercício em que atestam conhecimento, habilidade e criatividade subjetivas buscando a constituição de sua própria ética de uma maneira que lhes seja prazerosa (Camargo, de Souza-Leão, & Moura, 2022;Lehtokunnas et al, 2022). A estética da existência via prática de consumo ainda é, afinal, uma relação que o consumidor estabelece com a própria subjetividade.…”

“…Nosso estudo também busca ampliar discussões que recorrem às práticas de sujeição para compreender como consumidores costumam atender regras de conduta capazes de transformar, alterar e legitimar suas próprias singularidades, sejam as que representam a construção de identidades sociais -numa perspectiva sociológica (Jantzen, 2006;Sandikci & Ger, 2010) -seja as que constituem a elaboração de éticas -em uma perspectiva crítica (Camargo, de Souza-Leão, & Moura, 2022;Lehtokunnas, Mattila, Närvänen, & Mesiranta, 2022).…”