A questão de fundo deste artigo é o deslocamento do sagrado das religiões da transcendência para as espiritualidades da imanência, tendo como horizonte empírico as práticas de espiritualidade no campo ambiental. Buscamos compreender os modos de relação com o sagrado aqui denominados espiritualidades ecológicas, que predominam na experiência de pessoas, grupos e comunidades ecologicamente orientadas. Estes modos de subjetivação que aqui caracterizamos como "ecologicamente orientados" têm sido objeto de nossas pesquisas há algum tempo, para os quais criamos a categoria "sujeitos ecológicos" (Carvalho 2008(Carvalho , 2012. Um dos traços que marcam os sujeitos ecológicos é a busca por internalizar, nas várias dimensões da vida, uma concepção particular das relações com o ambiente, vivida como um encontro respeitoso, reverente, simétrico. Esta cosmologia ecológica encontra uma correspondência muito significativa na filosofia da natureza presente no pensamento de Maurice Merleau-Ponty (1984), do qual trazemos a bela expressão "carne do mundo" 1 . Com esta expressão, Merleau-Ponty descreve como o mundo sustenta o corpo do sujeito e se move com ele, demarcando um campo sinérgico de exploração perceptual e experiencial. Assim, o mundo é experienciado como parte do sujeito que o habita e não apenas como um referente externo e objetivo ao sujeito que nele se move.
2Este sentimento de comunhão, continuidade e pertencimento em relação ao mundoambiente-natureza é o núcleo do que chamamos aqui de espiritualidades ecológicas.Na "carne do mundo": imanência, subjetivação e espiritualidades ecológicas Lusotopie, XX(1-2) | 2021