Dimensões do excesso e de realidade: reflexões a partir de uma experiência de escuta

Abstract

RESUMOEm psicanálise, sabe-se que a vivência de um trauma, seja ele real ou fantasiado, causa impactos importantes no psiquismo. Este trabalho propõe, por uma vinheta clínica, a reflexão a respeito dos efeitos do traumático advindo do histórico vivencial e da realidade psíquica do sujeito. No desenvolvimento das proposições deste artigo, utiliza-se de vinhetas de um caso clínico a fim de ilustrar a inter-relação entre experiências da realidade externa e as marcas decorrentes desta na realidade interna. A história de Marta permite apresentar contribuições da psicanálise a respeito de trauma psíquico. Acredita-se ser a escuta analítica um recurso diante das manifestações de dor psíquica oriundas do excesso traumático. Na instauração de condições de tramitação psíquica e de atribuição de sentido às experiências de dor, é possível acompanhar a construção de novas possibilidades de devir ao sujeito psíquico. Palavras-chave:Psicanálise. Trauma. Realidade psíquica. Realidade externa. Escuta. ABSTRACTIn psychoanalysis, it is known that the experience of a trauma, either real or fantasized, causes significant impact on the psychism. This paper proposes, based on a clinical vignette, reflection on the effects of the trauma coming from the historical existential and psychic reality of the subject. In the Texto recebido em 8 de julho de 2013 e aprovado para publicação em 25 de setembro de 2014.

Análise do trauma psíquico na produção psicanalítica contemporânea

“…Em 1897, Freud descobre que as histéricas mentiam e faz sua famosa declaração na carta 69: "Não acredito mais em minha neurótica"; com o fracasso nos tratamentos e devido às limitações da teoria da sedução, a realidade psíquica entra em cena e as fantasias passam a ter papel relevante no traumático, como marco para a constituição da psicanálise. Deste modo, as fantasias inconscientes e a sexualidade infantil precoce começaram a ter função mais importante do que o mundo externo na constituição da neurose (Ribas et al, 2016;França, 2015;Schestatsky, 2014).…”

“…Como exemplo chave para a compreensão desta problemática, os pesquisadores Ribas et al (2016) apresentam a análise do caso de Marta, a qual foi marcada indelevelmente por excesso real de abandono, maus-tratos, abuso e exploração; percebem que o papel de figura cuidadora é falho e ausente na história da paciente, e consequentemente no decorrer das análises notaram que há certa ausência de apropriação de seu corpo, não reconhecimento de suas sensações e reações, desconexão de afeto e obliteração da sua própria subjetivação. França (2015) ratifica o que aqui foi exposto, ao descrever em sua pesquisa que o desafio atual da psicanálise é reconhecer os efeitos da realidade externa sobre a realidade psíquica, nossa identidade e nosso pensamento.…”

“…E o profissional, portanto, deve possibilitar a escuta como ferramenta de atribuição de sentido à experiência de excesso, fazendo dela a protagonista de sua própria história. O trabalho analítico oferece ao mesmo tempo, "a construção das condições de atribuição de nexos e sentidos para um psiquismo carente de representações" (Ribas et al, 2016). Segundo as pesquisadoras Canavêz e Herzog (2012), na esteira da leitura de Benjamin, o psicanalista não deveria ser um intérprete da linguagem das resistências, utilizando uma postura de suspeita, mas antes de confiança, sendo um legítimo tradutor, proporcionando um espaço em que diferentes linguagens possam ser expressas, sem que em uma tradução pudesse escamotear as diferenças existentes.…”