De imagens e gentes-rocha

Abstract

Em contraposição aos modelos representacionistas, presentes na Arqueologia, proponho abordar as imagens presentes nos sítios Céu Estrelado e Família, localizados em Canindé do São Francisco, Sergipe, a partir de um entendimento relacional do mundo, em que as categorias de seres não são preestabelecidas e sim fluidas, como resultado de cortes agenciais em processos de intra-ação. Dentro desse contexto, tentemos realizar um exercício interpretativo e imaginar, por exemplo, que as imagens representam não figuras bidimensionais estáticas, ou representações simbólicas, mas seres não-humanos sencientes, algo que poderíamos chamar de gentes-rocha. Muito mais que verdades, este artigo propõe um exercício e uma provocação.

A vida de uma praia-lixão em São João del-Rei: processos transformativos e coisas em movimento

“…Nesse sentido, mesmo que não pudéssemos perceber as coisas se deslocando naquele momento, era possível sentir seu movimento enquanto elas participavam da praia-lixão-em-formação e se costuravam ao nosso campo sensorial, o qual não representa uma entidade topográfica, apesar de suas conotações (Hamilakis 2021). Na verdade, esse conceito é melhor compreendido como um encontro experiencial (senso-afetivo 8 ) 8 Adota-se o termo senso-afetivo a partir de Pellini (2021), considerando tanto fatores senso-motores (Bourdieu, 1983) quanto o afeto e a capacidade de afetar e ser afetado na constituição da realidade experimentada e no desencadeamento de ações do costume. e multitemporal com o meio, aquilo que compõe seu entorno (Ingold 2015).…”

“…Em contradição com o que é considerado arqueológico, ou mesmo patrimonial, enquanto objetos maculados pelo presente (Bezerra 2019) os trecos rejeitados e classificados como lixo, ou que estão presentes sobre a superfície, deixam de ter valor à arqueologia e são novamente descartados pelos agentes que os reclamaram da estratigrafia. Isso parece suspeito, uma vez que não abre espaço para que a vida conteste nossos métodos e técnicas, o que coloca os arqueólogos em lugar de autoridade inquestionável sobre o passado e sobre as coisas (Cabral, 2020;Linke et al, 2020;Pellini 2020Pellini , 2021.…”

“…A questão aqui, porém, não é colonizar tudo enquanto treco arqueológico, até porque o diálogo entre diferentes campos do saber e formas de conhecimento é mais fértil e produtivo para discussões e reflexões do que determinar que só a arqueologia dá conta de narrar a vida dos trecos. Como sugerem os estudos de cultura material (Miller 2013) e as abordagens simétricas (Latour 2013) ou relacionais atentas às coisas (Ingold 2015;Pellini 2020Pellini , 2021Cabral 2020), a interdisciplinaridade e o diálogo intersaber e transcultural são fundamentais para romper as velhas raízes pós-coloniais que perduram em nosso dia a dia, algo proposto pelo antimétodo algumas décadas atrás (Feyerabend 1977).…”

“…Em consequência, seguir esse caminho com a arqueologia é aceitar afetar e ser afetado (Siqueira & Favret-Saada 2005) pelas coisas em seus fluxos de vivência, enquanto participantes dessa vida. Em outras palavras, é praticar uma arqueologia que aceita se derramar sobre o costume cotidiano, sendo fisgada pelos fios senso-afetivos (Pellini 2020(Pellini , 2021 e multitemporais (Agostini 2019;Bezerra 2019;Cabral 2020;Hamilakis 2021) da experiência. Abordar a questão do lixo sobre uma intencionalidade arqueológica, além de permitir uma arqueologia socialmente ativa e politicamente engajada com questões do contemporâneo, também é campo fértil para experimentar, ensinar, testar ou repensar abordagens da práxis arqueológica em contextos reais (Rathje 1979(Rathje , 2021)como demonstrado neste exercício.…”