A (re)produção de uma sentença: narrativas uníssonas sobre feminicídio em tribunais do júri Este trabalho parte de uma pesquisa empírica realizada nos tribunais do júri de João Pessoa, Paraíba, no Brasil, junto aos operadores jurídicos e juízes leigos, entre 2016 e 2018. Através de entrevistas semiestruturadas, acompanhamos a inserção da categoria feminicídio pela Lei n.º 13.104/2015 nas narrativas e nas percepções das circunstâncias constituintes do crime pelos agentes de justiça. Isto evidenciou as conexões discursivas entre os cenários de violência doméstica, familiar e afetivo-conjugal e as mortes violentas de mulheres. Não obstante a sedimentação de uma linguagem de prevenção e combate à violência doméstica, notamos que a Lei de Feminicídio não é apreendida em sua plenitude, deixando à margem outras vidas e circunstâncias letais. Assim, há contextos, relações sociais e sujeitas que seguem invisíveis à apreensão dos agentes de justiça. Palavras-chave: Brasil; feminicídio; gênero; poder judicial; sexualidade; violência doméstica. Introdução A reflexão proposta por este artigo tem por base os dados de pesquisa empírica executada nas duas varas dos tribunais do júri da comarca de João Pessoa, Paraíba, Brasil, no período de 2016 a 2018. Através da interlocução com juízes leigos e operadores jurídicos (juízes de direito, promotores e defensores públicos), por meio da realização de entrevistas semiestruturadas, buscamos revelar os enquadramentos que tornam inteligível o fenômeno do feminicídio, 1 1 Este artigo é marcado pelo uso de algumas convenções gráficas. Explicamos que a expressão feminicídio, quando grafada em itálico, faz menção ao fenômeno da violência letal direcionada às mulheres. Por sua vez, a escrita sem destaques faz alusão à categoria jurídica do feminicídio, normatizada pela Lei brasileira n.º 13.104/2015, correspondendo à qualificadora do crime de homicídio. Ou seja, no primeiro caso remete à noção de violência e no segundo remete à noção legal de crime. Ademais, são indicadas através de aspas expressões retiradas de normas legais, como "violência doméstica e familiar" e "razão de condição de sexo feminino", dentre outras expressões que requerem destaques especiais, sobretudo em momentos do texto em que acionamos algumas categorias nativas como "misoginia", "mulheres", "trans", etc.