Clínica em movimento: a cidade como cenário do acompanhamento terapêutico

Abstract

O artigo aborda a prática do acompanhamento terapêutico em sua dimensão clínica-política. Pretende-se desenvolver uma reflexão a respeito da potência de se tomar a cidade como matéria da clínica a partir da prática do acompanhamento terapêutico. Para tanto, faremos uma incursão pelo modo a partir do qual se desenvolveu, na modernidade, a constituição dos discursos e medidas adotados com vistas a abarcar a experiência da loucura sob o estigma de doença mental. Em seguida, apresentaremos o contexto de revisionismo crítico acerca dos alicerces do saber médico-psiquiátrico, a partir da segunda metade do século XX, com o questionamento dos critérios utilizados para designar, delimitar e caracterizar os sujeitos alçados à categoria de alienados. O embasamento teórico está centrado em autores tais como Michel Foucault, Robert Castel e Franco Basaglia. O investimento nos espaços públicos faz com que esta estratégia de intervenção seja um importante ator no processo de Reforma psiquiátrica brasileira.

Narrativas (d)e cuidado em saúde mental: por uma clínica política

“…Viver uma experiência pode ser entendido como permitir-se sentir a travessia, o perigo, colocar-se à prova, permitir afetar-se pelo acontecimento. Uma experiência pode ser considerada uma passagem a partir do encontro da existência humana com o acontecimento, onde o valor central não está atrelado à razão, mas sim a estar aberto ao que virá, ainda que não se saiba sobre os desdobramentos possíveis (BONDÍA, 2002;LIMA, 2012;GRUSKA, 2015;GODINHO, 2019).…”

“…Essas experiências permitem que a comunidade também se abra para a diferença, que se produzam fendas na dicotomia normalanormal, produzindo, por meio da presença, resistência de existências diferenciáveis dividindo espaços. Crise e diferença caminham lado a lado diante de uma sociedade que se encontra em crise contínua, movimentada pelo consumo desenfreado de recursos na busca incessante pelo reconhecimento de normalidade e que não se olha no processo (DELL'ACQUA, MEZZINA, 1991;LIMA, 2003;GODINHO, 2019). A tomada de responsabilidade pelas equipes de serviço de saúde mental não tem lugar definido para acontecer.…”

“…É a partir do cuidado realizado através do CAPS que acompanhamos Lurdes e outras pessoas em suas andanças pelas ruas ou lugares que lhe são importantes e necessários à presença no seu mundo a cada dia, onde com o passar do tempo os lugares, bem como as questões que emergem nas vivências se atualizam, prosseguindo a vida e o acompanhamento da vida em vez da doença. (DELL'ACQUA,MEZZINA, 1991; FIORATI, 2006;GODINHO, 2019).Ao mencionar a clínica do CAPS, a tomada de responsabilidade, o diálogo com a cidade, estou dizendo que é necessário sair do dentro, do prédio do CAPS, e irmos até a casa de Lurdes com o carro do serviço, entendendo ser também nossa responsabilidade e parte do cuidado da mulher a ida ao Poupatempo. Conversamos com ela, com seu companheiro e com suas irmãs orientando sobre a importância de ir até fazer "a prova de vida" para que seguisse recebendo o seu um salário-mínimo, com o qual sobrevivem ela e o companheiro naquele aperto cotidiano que viver em uma cidade tão cara impõem.…”