A concepção de que a guerra seria uma luta da civilização contra a barbárie, na qual o engajamento pessoal e a mobilização dos cidadãos se embeberiam de um sentimento de ódio pelo inimigo nacional, foi o discurso que estabeleceu o eixo principal dos sistemas de representação social, na França da Grande Guerra. Enquanto representação coletiva, a radical desumanização do inimigo (a Alemanha), que com sua suposta barbárie ameaçaria a civilização (a França), foi a fórmula que fundamentou grande parte da mobilização física e intelectual dos franceses. Traduzido para a experiência pessoal destes homens, o ódio ao inimigo aparece como um sentimento real, internalizado pelos que vivenciaram a brutalidade da guerra; e um sentimento histórica e identitariamente construído, que toma forma de acordo com a experiência de cada um. Tendo em conta o interesse da História Cultural em restituir aos sentimentos seu justo lugar na conformação do passado, este artigo se propõe a seguir a trajetória de três homens de letras - André Gide, Jean Schlumberger, e Jacques Rivière -, investigando como suas experiências de vida levaram-nos a expressar o ódio, produzindo representações diversas do inimigo, durante dois momentos de grande comoção na França: a passagem da paz à Guerra, em agosto de 1914; e, com a vitória, o retorno da guerra à paz, no entre-guerras que se seguiu.