Afetos ao trabalho - notas sobre a sedução da subjetividade em uma empresa brasileira de moda

Abstract

ResumoAfetos veiculam uma intensidade de marcadores sociais e de subjetividade. Com isso, tornam-se altamente lucrativos para as indústrias que se alimentam das capacidades do corpo. Recorrendo a notas etnográficas sobre a Visibly Hot, uma empresa brasileira de óculos, este artigo foca as seguintes questões: com quais instrumentos essa marca regula desejos e aspirações para promover seus produtos e cativar seus funcionários? E, como os próprios funcionários participam e manipulam esse processo? Por um lado, o slogan de "ser diferente" promove uma pluralização de subjetividades, efetuando um controle avançado de identidades sexuais e raciais. Por outro lado, os vendedores acabam aprendendo suas próprias técnicas afetivas (identificação com a marca, incitação sexual) que, uma vez postas em movimento, simultaneamente aumentam e perturbam o fluxo normatizado pelas vendas.

O gênero da marca Repensando a relação entre subjetividade e mercado

“…Tais subjetividades LGBT, forjadas na interseção entre aspirações políticas e interesses do mercado, ainda se intensificaram na segunda década do Século XXI. Como se mostrou com base em um estudo de caso sobre uma empresa de moda brasileira (Wasser, 2015;2017), até os desejos e aspirações dos vendedores estão entrando nas estratégias de uma marca que se comercializa pela diversidade LGBT. Neste contexto, as ambivalências se mostram por uma forte tensão encontrada pelos funcionários na sua construção de uma trajetória ao mesmo tempo profissional e pessoal.…”

“…A centralidade da encenação de certas feminilidades (e masculinidades) para se forjar o espírito de uma marca ainda recebeu pouca atenção sociológica no que diz respeito aos esforços corporais e afetivos por parte dos sujeitos envolvidos. No caso da Visibly Hot, também atuando no segmento de moda, pôde-se mostrar que uma forma contemporânea do branding repousa sobre a criação de técnicas de venda afetivas que mobilizam o flerte e a sedução (Wasser, 2015;2017). Além de instruídos por treinamentos mensais, os funcionários vêm sendo motivados a desenvolverem as suas próprias estratégias de venda sob uso de estilização dos seus corpos e de sua mobilização afetiva.…”

“…Mas há outras evidências de que as subjetividades almejadas pelo capitalismo se desdobram de formas ambivalentes. A incitação dos afetos, como se mostrou no caso de vendedores de moda (Wasser, 2015), pode resultar em excessos contraprodutivos, como ciúmes e outras frustrações, que atrapalham a lucratividade. Além disso, há fortes indícios de que o ativismo de marca (Manfredi-Sánchez, 2019) não se exaure em exploração.…”

“…parecia percorrer as autonarrativas sobre quem se aspirava ser, as emoções e os laços afetivos explicitados com os ideais e a estética da marca, assim como a estilização dos corpos (ver Wasser, 2015Wasser, , 2017. Desconfiado de que se tratava de um fenômeno de obcecação, nas conversas durante a pesquisa, pude perceber como neste entusiasmo também se refletiam os contextos sociais e as aspirações correlatas desses jovens.…”

"Voltando às raízes"

“…O trabalho de mediar diálogos entre marcas e consumidoras e de transformar sua própria imagem em marca é bastante interessante e estratégico para as marcas que atuam no segmento da beleza e dos cabelos. Nicolas Wasser (2015) apresenta um caminho produtivo para problematizar este interesse por parte das marcas: ao estudar uma empresa de moda específica, aponta que algumas empresas, sob a aparência de valorizarem a diversidade, na verdade intensificam seus lucros a partir da construção da subjetividade e do trabalho emocional de seus vendedores. A ideia de "diversity management" é abraçada por estas empresas, que passam a propagandear a valorização da diversidade por meio não só da construção da imagem da marca, mas principalmente por meio da imagem e da produção subjetiva de seus funcionários.…”