História, memória, esquecimento e revisionismo são aspectos fundamentais para se pensar o modo como as sociedades latino-americanas, que passaram por golpes e regimes militares na segunda metade do século XX, agiram, reagiam, agem e reagem ao se defrontarem com o seu recente passado autoritário. Entre diferentes possíveis momentos para se analisar tais instrumentações políticas, o período das transições nos fornece um material de grande valia para compreender o papel dos atores sociais envolvidos nesses processos, e o modo como a lei e a história, o futuro e o passado, passariam a ser encarados pelas sociedades a partir de então.No caso dos nossos objetos de estudos aqui apresentados, partimos de uma mesma conjuntura, quando Brasil e Chile, ao final dos anos 1980, realizaram seus processos de transição rumo a um sistema democrático. Por meio dessa perspectiva, procuramos ampliar tal relação inserindo as transições, brasileira e chilena, na quadratura latino-americana, realizando assim, uma análise comparada. Partindo do ano de 1988 como um momento-chave, a partir da vitória do NO durante o plebiscito chileno e da promulgação da Constituição brasileira de 1988, realizaremos um exercício comparativo ao analisar especificamente cada transição e relacioná-las com as conquistas e os problemas referentes a dois processos transitórios que não se concluíram naquele instante e acabaram por preservar políticas ligadas aos tempos ditatoriais, principalmente no que diz respeito às autonomias das Forças Armadas frente ao controle civil. Porém, tal identificação não significou uma dependência integral por parte desses processos frente ao que ocorreu nas demais transições latinoamericanas. Ao invés disso, as experiências no Brasil e no Chile gestaram suas peculiaridades político-culturais e sempre dialogaram com as culturas políticas existentes em seus respectivos países.Em termos conceituais, cultura política é compreendida aqui como uma visão global de mundo e de sua evolução inserida na própria natureza dos problemas relativos ao poder, compartilhada por um grupo importante da sociedade num dado país e num dado momento da história. Retomando os trabalhos de Serge Berstein, podemos compreender este conceito como uma estreita aproximação entre sistemas políticos e cultura global da sociedade política. Sendo assim, a cultura política é um elemento dessa cultura global (Berstein, 2009, p. 31-33). Trata-se, ademais, de um fenômeno plural, pois falar em cultura política de um país acaba por envolver um conjunto de culturas políticas com raízes filosóficas ou histórias distintas, abarcando concepções opostas de poder e invocando valores antagônicos:Além disso, é evidente que existem culturas políticas dominantes, porque suas concepções atendem diretamente às aspirações majoritárias da sociedade, porque elas parecem traduzir os anseios da maioria e porque elas oferecerem respostas
Victor Augusto Ramos Missiato (victor_missiato@hotmail.com) é Doutor em História pelaUniversidade Estadual Paulista (UNESP)/Franca.
Forças Armadas, Autono...