“A família de Légua está toda na eira”: tramas entre pessoas e encantados

Abstract

A parteira que "pegou" Pedro em seu nascimento foi Chica Baiana, incorporada em seu avô materno. O casamento de Dona Regina foi previsto por Coli Maneiro ainda em sua gestação, durante um festejo. O filho de Luiza negociou com Duardo Légua o fim do consumo de bebidas alcoólicas quando este "descia". Dona Vanda "recebeu" Seu Zé Porteira de sua mãe, quando ela faleceu e deixou de chefiar a tenda de terecô do povoado onde viviam. Como essas, são diversas as situações nas quais pessoas (como Pedro, Regina, Luiza e Vanda) acionam encantados (como Chica Baiana, Coli Maneiro, Duardo Légua e Zé da Porteira) para falar sobre quem elas são, para contar sobre suas famílias, para explicar suas trajetórias. Essas situações nos foram descritas em uma pesquisa etnográfica em Codó, durante os últimos oito anos. 1 Codó é um município de cerca de 120.000 habitantes, localizado na região leste do estado do Maranhão, no nordeste do Brasil. A cidade recebeu certa notoriedade, entre outros motivos, pela presença de pais e mães-de-santo e pela quantidade de tendas (como são chamados os espaços onde são realizados os rituais) de religiões afro-brasileiras no local. 2 O terecô é a religião tradicional da cidade, mas se estima que a umbanda tenha chegado na década de 1930 e o candomblé durante os anos 80. No terecô, ou tambor da mata, as pessoas recebem, em seus corpos, seres conhecidos como encantados. Os encantados não são percebidos como deidades, pois foram pessoas e, mesmo na condição de entidades, têm comportamentos próximos aos humanos. Eles, entretanto, não passaram pela experiência de morte (Ferretti 2000). Além de serem recebidos pelas pessoas que os corporificam, podem ser vistos como "espíritos", sentidos em sonhos ou percebidos em objetos que lhes pertencem. Com a presença da umbanda e do candomblé na cidade, os encantados se encontram, nas tendas, com diversas outras entidades. As pessoas, entretanto, sabem precisar os nomes e as famílias dos encantados considerados do terecô-ainda que as fronteiras entre as religiões não sejam definidas de forma unânime. 3

Léguas’ dwelling, land of enchantment: Religion and the city in Codó (Maranhão)

“…The compositions that mark the configuration of the tendas and the entities' definition are part of how terecô is performed in Codó. They are also part of the discussion raised by other research papers written after Ferretti's work (2001), such as Ahlert (2013Ahlert ( , 2016Ahlert ( , 2021, Alcantara (2015Alcantara ( , 2020, Ribeiro (2015), Cantanhede Filho (2020, Freire (2018Freire ( , 2022, Lima (2019), Lamy (2016), Almada (2023), Zalis, Lima and Ahlert (2023), Cruz (2018), andPereira (2019). The intersections between tambor de mina, umbanda, candomblé, and terecô are specific to each house (tenda or quarto de santo) and demonstrate the complexity of the terecozeiros' experiences (and, equally, to the fragility of the categories for classifying these experiences that we researchers have drawn up).…”

“…6. Ahlert (2013Ahlert ( , 2021, in previous work, proposed to consider the forest as a place of thought. However, the idea was not extensively developed at that time and is now revisited and expanded upon, to include considerations about the city itself.…”

Morada dos Léguas, terra de encantaria: religião e cidade em Codó (Maranhão)

“…5. Ahlert (2013Ahlert ( , 2021, em produção anterior, sugeriu pensar a mata como local de pensamento. A ideia, entretanto, foi pouco desenvolvida naquele momento e aqui é retomada e expandida, para considerações sobre a própria cidade.…”